21 janeiro 2011

Mas, porém, todavia, contudo. E se...

- Você devia falar. - Sentenciou a Voz da Consciência.

- Mas... - A jovem murmurou.

- "Mas" nada. Você devia falar. Sabe que é o certo.

- Mas... e se ele entender errado? - A garota brincava com os dedos, tímida.

- Não há o que entender errado. O que você vai dizer é simples e direto. Vá logo até ele e diga o que deve dizer. - A Voz da Consciência foi firme.

- Mas... e se ele ficar bravo? - A garota hesitava.

- Bravo? Por você ser sincera? Não há porquê isso acontecer.

- Claro que há! Quero dizer... e se ele for tímido..? - Agora a garota enrolava o cabelo.

- Bom, talvez ele fique com um pouco de vergonha, mas isso é algo inevitável. Afinal, essa é uma situação... bem... complexa.

- Então... - A garota tentava de todas as formas convencer-se de que o correto seria guardar para si o que desejava falar. - Se eu vou deixá-lo envergonhado, não há por que falar. Ele não precisa ficar sabendo.

- Lógico que precisa! - A Voz da Consciência, contudo, era irredutível. - Você não pode simplesmente deixar essa situação passar. Você precisa tomar uma atitude. Caso contrário, você irá se arrepender para sempre. Creia-me. Eu mesma é que te lembrarei todos os dias do erro que foi não ter falado.

-Mas... depois de falar isso... ele vai perceber que eu havia notado desde o início.... e que eu vinha pensando nisso esse tempo todo... - A voz da garota falhava, pois ela sabia que seria convencida pela Consciência. Mas ainda assim, continuou tentando. - E se ele não quiser olhar pra minha cara depois de eu falar? E se ele me achar uma maluca por não ter falado nada antes?

- Isso pode acontecer. - A Voz esperou. Quando a garota abriu a boca para argumentar, porém, ela retomou seu raciocínio. - Mas pode não acontecer. Ele pode entender que você teve vergonha de dizer antes. Conhece o Gato de Schrödinger? Ele pode estar vivo ou morto. Só abrindo a caixa pra saber...

- Sim, mas... e se essa for uma "Caixa de Pandora"? - A Voz da Consciência riu. Mas riu tanto, mas tanto, que fez a própria garota rir. E ela riu alto. Tão alto que chamou a atenção de todos no trem. De todos, incluindo o rapaz sobre quem ela tinha tão animosa discussão mental. O jovem encarou a garota que, ela levou alguns instantes para perceber, encarava-o de volta e sorria timidamente.
Ela sabia que aquele sorriso tímido era resultado de sua confusão interna, da soma de sua Consciência, que gargalhava freneticamente, com o seu eu consciente, que queria chorar de vergonha. Mas o rapaz não sabia. Para ele, aquilo era só um sorriso tímido, endereçado a ele por uma garota tímida, que não parava de fitá-lo.

- Ah droga, ele me notou. Obrigada pelo rompante, Consciência. - A garota resmungou, enquanto a Consciência limpava as lágrimas hipotéticas de seus olhos imaginários. "Pandora", ela murmurava e ria. - E agora? Se ele vier aqui, o que eu faço?

- Você fala o que deve, oras. - A Voz respirou fundo, para se acalmar. Só que respirou pela boca da garota, o que fez com que ela, para todos os efeitos, suspirasse. "Todos os efeitos" incluía o jovem. Ele flagrou o suspiro e, então, tomou coragem. E foi até a garota.

- Ah Deus! - A garota gritou subconscientemente. A Consciência pôs as mãos nos ouvidos hipotéticos. - E agora? Eu tenho que falar. Mas... e se ele não quiser?

- Se ele não quiser, ele é pirado. Mas não adianta mais hesitar. Ele chegou. Fale!

- Ahn... - Disse a garota.

- Oi. - Disse o rapaz, sorridente.

- Fala logo! - Gritou a Consciência.

- Ehrm... - Falou... ou melhor, "não falou" a garota.

- Tudo bem? - Continuou o rapaz.

- Anda logo. Fala! Medrosa! - A Consciência esperniou.

- AAAh! - A garota surtou.

- Eu vi você me encarando e... - O rapaz tentou.

- Agora! - Berrou a Consciência, o mais alto subconscientemente que pôde.

- Tá bom! - Berrou de volta a garota. Só que ela berrou em voz alta. Ela, surtada, nem percebeu o silêncio no interior do trem, devido ao seu rompante, e gritou de novo, para o rapaz. - Eu falo! O zíper da sua calça está aberto! Está aberto o tempo todo! Desde que eu entrei. É isso! Está aberto!

Silêncio sepulcral no vagão. O garoto, semi congelado de susto, baixou o rosto e viu que era verdade. Fechou o zíper da calça, deu meia volta e foi para o canto, entrar em combustão expontânea.
A garota nem se moveu. Entrou em combustão espontânea ali mesmo. A Consciência murmurou um "eu te avisei" e foi para o seu canto, ainda rindo.

Morais da história:

1 -> Saia da sombra do "E se..." e fale logo! Antes que você surte.
2 -> Se alguém ficar te encarando, certifique-se que não é por algum motivo embaraçoso, antes de começar a pensar que você é o tal.
3 -> Não perca tempo discutindo com a sua Consciência. No fim das contas, ela sempre tem razão.
4 -> Confira se seu zíper está realmente fechado.

Boa viagem.

18 janeiro 2011

O Dia, a Camisa, o Medo, O Caderno e afins...

O dia de hoje foi um dos mais estranhos da minha vida. E não por fatores externos. Acho que dois parafusos se soltaram na minha cabeça, e agora ficam lá, fazendo barulho, tirando a minha atenção, me deixando bobalhão.
Mas bobalhão mesmo. Quando no caminho pro trabalho, pela manhã, eu tropecei numa lixeira e pedi desculpas. Varias foras as vezes durante o dia em que alguém me disse: "tá viajando longe, hein?" Não sei... Minha mente parece estar em um lugar completamente diferente. E eu não sei onde é. Ou... será que sei?


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Eu não consigo não rir das reações das pessoas frente às minhas camisas. E olha que hoje eu tava com aquela do "Game Over", que, convenhamos, já é lugar comum...
Mas é engraçado. Sempre tem um cara pra dizer "haha, que foda", ou uma mulher pra dizer "ai, que tosco". Ou, como disse uma senhora hoje: "tu só usa essas coisas aí porque é solteiro. Quando namorar, vai andar por aí com camisas de juras de amor eterno." Bom, da segunda parte eu não duvido, visto que eu, quando apaixonado, sou um babaquinha completo. Agora, da primeira parte, eu dei risada. Por ser verdadeira, confesso. Mas também, por não me parecer possível que eu venha a namorar uma garota que vá ligar pra uma bobagem dessas. Vai saber...
Azarado do jeito que eu sou, é bem provável que nós jamais venhamos a saber a resposta...

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Um dos parafusos que se soltou na minha mente foi o do Medo. Medo, Receio, Preocupação, sei lá. Mas é algo nesse sentido. De ter passado do ponto. De ter feito algo que, provavelmente, vá me custar muito caro no futuro. Medo de ter repetido os erros do passado.
Apesar de tudo, este não é o parafuso que mais faz barulho. O outro é pior. Mas o Medo ainda tem a sua cota de estorvo. Complexo...
Do outro parafuso eu prefiro não falar. Mas... seria legal se ele continuasse a fazer barulho por um bom tempo...

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O último final de semana me deixou mal acostumado em vários sentidos: Dormir fora de hora. Não fazer uma refeição decente no dia. Tomar sorvete em grandes quantidades. E, o melhor, ou pior, ou mais preocupante, ou mais estranho de todos, ter companhia. O último é engraçado porque... você passa a vida toda "forever alone" e mal percebe. Então, um dia, de repente, surge alguém com quem você simplesmente quer estar o tempo todo.
Não entendo...

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Hoje eu arranquei a última página do meu caderno. "Grande coisa!" É, eu sei... É que... Nela estava escrita uma palavra que eu simplesmente não conseguia deixar pra lá. Não a palavra, mas o que ela representava. E hoje, enquanto escrevendo no caderno, e pensando, e reescrevendo, e rabiscando, e repensando, e viajando, e riscando tudo, eu percebi que aquela palavra já não significa nada de bom pra mim. Talvez nunca tenha significado nada bom, só coisas ruins. Mas ainda assim, eu gostava de vê-la ali. E hoje eu percebi que, talvez seja a coisa sensata a sentir, eu sinto raiva dela.
Da palavra. E do que ela representa. Sinto raiva sim. Por tudo o que ela fez. Ou, no caso, deixou de fazer.

Sinto raiva.
Estranho.

Dia estranho, como eu disse. Merece uma postagem tão estranha quanto.
=3

16 janeiro 2011

Praia, Insônia e Afins

Não dormir durante a noite é sempre uma experiência estranha pra mim. Mesmo que, na realidade, eu tenha dormido alguns minutos ontem de noite, ainda assim, eu fico meio aéreo durante o dia, como que drogado, sei lá.
Durante o dia, enquanto eu não estava dormindo, estava viajando. Complicado. E daí, tu dorme o dia inteiro, praticamente, e chegando na noite seguinte, não sente o menor sono.
Isso é tudo o que você precisa pra acabar com o seu relógio biológico.
Mas, ainda assim, foi divertido...


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Praias, pra mim, são sempre muito melhores durante a noite. Primeiro, a ausência de todas as pessoas que poderiam estar fazendo algazarras. Você olha pros lados e não vê ninguém. Nem crianças fazendo fiasco, nem mulheres toscas semi-nuas, ou mesmo nuas, vai saber. Nem nenhuma dessas coisas ridículas as quais somos expostos se formos à praia durante o dia.
E tem outras coisas também: o silêncio. Tu fica ali, ouvindo o marulho e só. As ondas quebram, o vento assovia, e é isso aí. Dá pra ouvir os teus pensamentos como se eles estivessem sendo sussurrados nos teus ouvidos. Bacanérrimo.
Tem a névoa também. É estranho, mas a névoa é legal. Aquela mistura de maresia com chuva, sei lá... Embaça os óculos, engrola os cabelos, umedece as roupas. E a areia.
É legal.


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Uma das coisas que eu sempre quis fazer era passar uma noite em claro, só bistonteando pelo mundo. A ideia de ficar sem rumo durante a noite inteira, só andando pra cá e pra lá, sempre me soou bastante bacana.
E, de fato, é. Por mais fracote que se seja e que, passando da 1h da manhã já se esteja caíndo de sono, ainda assim, a aventura é o que importa. E daí tem a parte de dormir na rodoviária. Engraçado o quão retardado eu sou. Eu simplesmente deitei no banco e apaguei... O que seria bem legal pros ladrões/estupradores/whatevers, não fosse a minha companheira de indiada pra velar o meu sono.
No fim das contas, eu dormi duas vezes durante a noite, enquanto ela passou o tempo todo acordada. Ela até tentou, mas não dormiu. Acho que, afinal de contas, eu sou a donzela e ela é o cavaleiro na armadura brilhante.
Haha

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E, pra fechar essa postagem, eu queria dizer o quão legal é ter alguém com quem se pode fazer essas coisas idiotas sem ficar com vergonha, ou preocupado, ou com dor na consciência...
Amigos são interessantes, no fim das contas.

Acho que é isso. Vou jogar vídeo-game, já que o sono resolveu não dar as caras.


13 janeiro 2011

Coisas aleatórias

Abri a página do blog disposto a escrever alguma coisa. Qualquer coisa.
Mas, como vocês podem ver, estou sem a menor ideia acerca do que escrever.

O que pode ser um problema... Raramente eu consigo, da minha falta de criatividade, tirar algo excepcionalmente criativo, tal como o último post.

Aquilo é bem raro. Normalmente quando não se tem ideias sobre as quais escrever, você acaba não escrevendo. Ou, como estou fazendo agora, escrevendo merda.

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Hoje um "muleke piranha" esbarrou comigo na rua e, ao virar pra trás, gritou "qualé, playboy?" Acho que foi isso. Eu estava com os fones no máximo, não consegui ouvir direitinho. Mas ainda assim... Playboy? Eu?
Nerd eu aceito, na boa. Babaca... bom, vá lá, eu tenho cara. Otaku é mais difícil, mas ainda assim... a camisa do Final Fantasy VII talvez induzisse a isso. Emo... bom... têm gente que acha o meu tênis meio emo, então não seria surpresa.
Mas... Playboy? =O
O que fez com que o rapazinho me chamasse assim? A camisa social preta? Aberta e suja de pasta de dente? É, parece mesmo.
Ou foi a mochila do Evanescence? Ou foi o meu cabelo que mais parecia o campo de testes de uma bomba nuclear?
Nessa eu boiei, sinceramente...

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No ônibus, hoje, fui combado da maneira mais tensa possível: Lugar ruim, exposto ao sol, com uma gorda sentada do lado.

Não, nada contra as gordas. Tudo bem que elas ocupam um assento e meio no ônibus, mas ainda assim... Eu sou magrelo mesmo, ocupo meio assento, não tem problema. Mas a combinação estressa. O Sol me esquentando a orelha é complicado. E o lugar... Bom, eu e a minha estupidez, também. Sentar perto do banheiro do ônibus é pedir pra levar...
Enfim.
Não consegui dormir. Saco...


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Não sei escrever sobre coisas aleatórias. Na boa, não sei o que a minha mente faz o dia todo. Eu não presto atenção em absolutamente nada que acontece a minha volta. Mas não fico fantasiando nada com a minha imaginação. Cacete, o que a minha mente faz o dia todo? =O


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Ah sim, hoje, pela primeira vez, eu fiz uma criança rir.
Normalmente quando uma criança me encara, se eu faço qualquer coisa, ela chora.
Hoje, uma piá passou por mim e fez "=O". Daí eu fiz "=O" também e ela riu. Bacana. Achei que todas as crianças do mundo me odiassem. Haha

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Acho que por hoje é só, pessoal. xD

10 janeiro 2011

Título?

O Papel estava em seu lugar. Um caderno ligeiramente gasto, de páginas repletas de rugas. O ambiente era acolhedor. O Inverno fustigava as paragens lá fora, mas no interior da casa, especificamente naquela salinha, onde uma chama bruxuleante crepitava na lareira, sentia-se apenas um calor simpático. Na vitrola rodopiava um velho disco de sons da natureza, no momento reproduzindo uma pacata chuvinha de fim de tarde.

Tudo parecia perfeitamente normal naquele ambiente, cada um cumprindo a contento sua função. Tudo e todos. Exceto a Caneta. Parada sobre o Papel, imóvel, lá estava a caneta. Notória escritora, conhecida pela determinação com que começava uma história e não parava até tê-la terminado, era agora um suntuoso enfeite, empoleirada ereta sobre o Papel, a tinta plenamente disposta em sua ponta, porém sem nada produzir.
Mas é claro que a culpa não era da Caneta. Poucos sabiam, e mesmo estes fingiam não saber, mas a Caneta não tinha nada de genial. Era só um peão, trabalhando freneticamente na mão de um ser hierarquicamente mais importante. Literalmente.

Naquele instante, guiando a caneta, havia a Mão. Imponente, elegante, segurando a Caneta com maestria. Preparando-se para outro feito majestoso. Mas a Mão não era tão bem vista quanto a Caneta. Não, nunca lhe era dados créditos , mesmo os errôneos, tais como os endereçados a Caneta. A Mão era apenas mão de obra. Era um operário das grandes artes. Ela apenas seguia as ordens que a Imaginação lhe passava. Ou seguiria, caso houvessem ordens a seguir.
Mas aquela não era uma noite imaginativa para a Imaginação. Ela até esforçava-se, tentando sorver inspiração do mundinho onde agora estava. Mas nada parecia ocorrer-lher. Nenhuma ideia genial, Nem mesmo uma ideia simples que fosse. Não lhe vinha nada.

- Isso nunca me aconteceu. - Disse ela, desconcertada.
- Comigo já. -Rebateu a Mão, pomposa, com ar de quem sabe das coisas. - Naquela vez em que um dos seus amigos brilhantes aí de cima resolveu me ordenar esmurrar uma parede para descontar sua raiva.
- Eles devem achar que nós somos gladiadores. - Concordou a Outra Mão, que estava por ali, deitada, só observando a cena toda.
- Não sei... Não vou defender ninguém, pois não sou advogada nem ganho pra isso. Só quero minhas ideias de volta. - A Imaginação choramingava. A Caneta permanecia em silêncio, pois gostava de fazer o tipo "inanimada". O Papel, porém, não se fez de rogado.
- Eu costumo ouvir bastante. Mas acabo dizendo mais ainda. E, mesmo sendo tão falante, nunca fiquei sem ter o que dizer.
- Coisas diferentes, amigo. - A Caneta decidiu intervir. A verdade é que ela não suportava não opinar, por mais charme que isso lhe desse. Tinha que dar seu ponto, senão a conversa não teria graça. - Você fala sem parar. Mas quem é que te passa as ideias?
- Não é você, certo? - Alfinetou a Outra Mão. ainda deitada por ali, querendo apenas ver o circo pegar fogo.
- Eu não? - A Caneta soou ofendida. - Ora essa, de quem é a tinta que o Papel tão inocentemente usa para passar suas ideias?
- Por favor... - Responderam a Imaginação e a Outra Mão, em uníssono.
- Pessoal, sejamos francos. Quem realmente pensa nessa história toda é a Imaginação. - A Mão falou, em tom apaziguador. Mas, antes que pudesse ser cumprimentada pela maturidade, já deixou escapar sua verdadeira intenção. - Só os "pensadores" é que podem ficar de choramingos e evitar assim o trabalho.
- Meu Deus! - Exclamou o Papel.
- Vem você de novo com essa história de diretos iguais... - A Imaginação começava a se frustrar.
- Mas é verdade. Eu nunca tiro uma folga. Sempre trabalhando, levando a Caneta pra cá e pra lá. - A Mão seguia seu protesto.
- E o que diabos você está fazendo agora, criatura? - A Outra mão sorria, ou seja lá o que fazem as mãos quando estão alegres.
- Hum... é verdade... - Todos riram. Ou seja lá o que cada um deles costumava fazer quando alegre. E então, o silêncio, todos pensativos.
-E aquele seu amigo... - começou o Papel, tímido - Aquele que sempre leva o crédito?
- O Coração? - Retrucou a Imaginação. - Aquele lá não faz nada. Deu uma ou outra boa ideia e agora já é o Tolkien do corpo humano...
- Ahá! - O coração palpitou por ali. - Precisam de mim? - As mãos aplaudiram a entrada triunfal. A Caneta limitou-se a gemer de dor, cada palma lhe deixando mais e mais tonta. O Papel nada fez. Não que tivesse muita escolha mesmo... E a Imaginação apenas muxoxou.
- E então, qual é o caso? - O Coração perguntou, cheio de si.
- O caso é que não temos um caso. - Respondeu a Mão.
- Não é nada demais. - Grunhiu a Imaginação, contrariada.
- A "Excelentíssima" aí não consegue criar. - Alfinetou novamente a Outra Mão. E então o caos instalou-se, enquanto cada um tentava defender seus pontos. Uns de tinta, outros de vista.
- Todos tem uma noite ruim. - Argumentou a Imaginação.
- Eu não! - Retrucou o Papel.
- E eu, então? - Inflamou-se a Caneta. Figurativamente, é claro. As mãos, que nunca foram bem em debates, apelaram para o que sabiam fazer: bater. Esmurraram a mesa e o silêncio caiu como uma pedra sobre o local. Ouviu-se o crepitar da lareira e os pingos de chuva gerados pelo gramofone. Até que o Coração falou:
- Escreva sobre o que acabou de acontecer. - Sorriu, maroto. E todos permaneceram em silêncio, ponderando. A Imaginação abriu a boca, ou o que quer que seja que ela use para falar, para retrucar, mas percebeu a genialidade intrínseca da ideia. O Coração voltou ao seu trabalho. A Outra Mão deitou-se novamente, pensando "o cara é bom".
Meio a contragosto, a Imaginação mandou a Mão guiar a Caneta a escrever o que o Coração dissera. "Que droga, o cara é bom mesmo", pensou ela também. E a Caneta escreveu:
"O Papel estava em seu lugar. Um caderno ligeiramente gasto..."

09 janeiro 2011

O Fim do Mundo [Lilith]

O fim do mundo começou porque eu estava cansada.

E não, isso não é uma coisa recente. Eu estou cansada há milênios. Cansada do fogo e do enxofre. Cansada dos gritos de dor e agonia. Cansada das torturas e do terror. Cansada de tudo isso.
O Inferno já não é mais o mesmo.
Quando meu pai, Lucifer, chegou aqui, nada mais havia do que um planeta negro, onde os raios de Sol não chegavam. Não havia vida, não havia possibilidade de ela vir a existir. Nada. Apenas escuridão. Então, ele resolveu mudar tudo. Já que ele havia sido banido de sua terra, do aconchego de seu lar e do convívio com sua família, ele resolver criar uma nova vida para si. E primeiro veio o fogo. Para substituir o Sol. O planeta passou a ser iluminado, deixou de ser mortalmente frio. Mas ainda era inabitável. Ele percebeu que precisaria que sua nova família pudesse suportar o calor e a terra morta. Sua nova família teria de ser feita completamente de seres fortes, sobreviventes. Tais como ele. Sua nova família, seria superior a todo o resto da criação. E então, ele fez aquilo que, além de Deus, só os arcanjos podiam fazer, apesar de isso ser considerado o mais grave dos crimes: ele deu vida a algo inanimado.

Juntando a terra ressequida entre as mãos, ele refez os passos que um dia vira seu Pai seguir, porém fazendo as adaptações que julgara necessárias. Esculpiu o corpo com as cinzas da terra morta. Forjou a pele no fogo Infernal. Preparou os detalhes para que sua cria fosse sobreviver a tudo. E então, soprou em suas narinas o "Sopro Divino", realizando seu milagre e dando vida a mim. Sim, eu sou Lilith, "O Primeiro".

Meu pai sabia que esta ação seria julgada como a maior profanação de todos os tempos. Por isso, tomou precauções para que não houvesse necessidade de se repetir o ato. Ele queria uma família, mas temia a ira de seu Pai, então, me fez de uma maneira que eu pudesse levar sua prole adiante. Eu sou a Rainha. Todos os demônios nasceram de mim. E nascerão. Pela eternidade.

Eu tenho estado em meu trono desde o princípio. Faz tanto tempo, que já nem lembro. E isso... me cansou.
Eu já não aguentava mais viver apenas aqui, no Inferno, vendo todos os rituais repetindo-se dia e noite. As almas perdidas vindo para cá. Meus filhos divertindo-se com os recém chegados. E toda a algazarra. Todo o ódio, todo o rancor. Tudo isso me cansou. Eu queria algo novo, algo diferente. Eu queria a Terra.

Acho que é preciso explicar-lhes o conceito de Inferno e Paraíso. Não há "lá em cima" nem "cá embaixo". Estamos todos no mesmo nível. Só que em dimensões diferentes. E, seres de uma dimensão não podem interferir na dimensão paralela. Exceto, segundo Lucifer, por Deus. Como ele criou tudo isso, o Inferno por último, para abrigar os caídos, ele tem passe livre entre um lugar e outro. Mas de resto, ninguém vai de um lugar ao outro.

Até o dia em que o mundo acabou.
Eu sou "O Primeiro", por isso tenho certos poderes que os demais não tem. O Sopro Divino que me anima me diferencia dos demais. E, por isso, eu consigo enviar minha influência para lugares distantes. Até mesmo, para outras dimensões. E foi o que eu fiz. Como um rádio amador, enviando sinais para o espaço, eu passava meus dias tentando encontrar alguém na Terra que quisesse me ajudar. Era insano. Afinal, qual ser humano iria querer ajudar alguém que quer apenas destruí-lo?
Mas, para minha surpresa, havia alguém. Um homem. Não recordo seu nome. Ele ouviu meu chamado. E aceitou a proposta.
Durante dois anos, ele construiu a estrutura que colocaria meu plano em ação. E não falhou. Marcamos o dia. No Inferno era só mais um período de escuridão ensandecedora e calor insuportável. Na Terra, era um dia pacato, de céu nublado. Ele fez o necessário para me abrir o caminho.

"Atráves do Coração ainda pulsante de um sacrifício impuro, abrirá-se o caminho entre o Inferno e a Terra."

Ninguém sabe de onde surgiu a lenda. Ninguém sabe quem a escreveu. Mas agora, eu sei que funciona.

Quando o homem que me ajudava cravou o punhal no coração da garota, a alma dela se perdeu na escuridão, deixando assim um lugar para que eu pudesse subir. O caminho estava aberto e eu, preparada. A profanação de um coração humano era um sacrifício grandioso, porém só me proporcionaria um corpo terrestre. O resto do caminho eu teria de abrir manualmente.

Chegando a Terra, quando me vi no corpo daquela garota, percebi que meus poderes não haviam sumido. O Sopro Divino em meu interior ainda era o mesmo, e eu ainda poderia influenciar as pessoas. O homem, Ivan, me recordo agora, jurou me ajudar com o que fosse necessário. E o fez, de sua maneira. Ele sabia o que precisávamos fazer e sabia exatamente como fazê-lo. Decidi seguir seu plano.
Primeiro, retornei até a casa da jovem cujo corpo eu habitava. Pessoas me abraçavam, surpresas, com o meu retorno. Eu levara Ivan comigo, e logo todos criaram histórias a respeito de meu sumiço. Eu não me importava. A jovem habitante do corpo talvez tivesse levado em consideração, mas para mim, aquilo não significava nada, eram só histórias sem sentido. Me foquei no que importava: trazer meus filhos à Terra.

Pusemos o plano em prática.
No topo de um prédio qualquer, nós abriríamos o portal. Primeiro foi a fogueira. Então as palavras mágicas. O ritual era simples, mas precisava de algo que ninguém antes tivera: O Sopro Divino. No momento em que deixei o ar sair de meus lábios, o fogo ganhou vida. Tomou conta do prédio com uma velocidade surpreendente. Ivan, ao meu lado, sentiu que estava perdido, mas eu lhe disse para não se preocupar. Ninguém que serve à Lilith paga por seus serviços.

Quando o portal se abriu, o Inferno veio à Terra, causando um choque monstruoso. O fogo se espalhou por todos os lados, a energia da explosão varrendo tudo o que havia ao redor do prédio. Os humanos sofriam. Meus filhos estavam livres.
Eu estava feliz.

Demônios pulularam a cidade em segundos. Minhas crias, correndo livres pelo mundo onde havia Sol, onde não havia fogo nem enxofre. Meu pai sentiria orgulho, se ainda estivesse vivo...
Eu vi enquanto meus filhos se divertiam, fazendo humanos sofrerem. Era o que sabiam fazer, afinal de contas. O Inferno na Terra havia começado. E eu estava feliz.
O Fim do Mundo havia começado, e eu estava feliz.

08 janeiro 2011

O Fim do Mundo [John]

Uma cerveja quente. Foi assim que o fim do mundo começou pra mim.
Eu estava no mesmo pub de sempre, o Inner's Head, fazendo o mesmo de sempre: Nada.

Ao meu redor, pessoas desprezíveis faziam as mesmas coisas desprezíveis de sempre: paqueravam, algumas mais adiantas, outras menos. Bebiam até fazer fiasco. Gritavam e faziam outras coisas ridículas pra tentar chamar atenção. As mesmas babaquices que todos fazem quando em um bar.
Todos, exceto eu. Sentado na minha mesa habitual, eu tentava assistir ao noticiário, mesmo sem ter a menor esperança de poder ouvir uma palavra que fosse. A notícia que era apresentada agora parecia confusa. Uma repórter falava algo, aparentando estar assustada. Dava pra ver pela expressão dela, pela maneira como seus olhos corriam freneticamente enquanto ela tentava vencer o texto do teleprompter, que ela queria sair dali o mais rápido possível. A câmera fremia um pouco, o que indicava que era mantida não em um suporte, mas no ombro de alguém. Logo, a reportagem deveria ser repentina. Aquilo ali, seja lá o que fosse, acabara de acontecer. Enquanto a repórter falava o mais rápido que conseguia, sua mão apertando com força o microfone, ao fundo, um edifício era engolfado por chamas. Era estranho, mas...

Aquilo poderia até ser interessante, mas eu simplesmente não conseguia me concentrar em nada, tão irritado estava.
Bom, você também estaria, se tivesse sido demitido injustamente. É uma longa história e, nesta altura do campeonato, não é de fato importante. Só o que você precisa saber é que eu era um jornalista de um canal importante. E então, por causa de uma garota que desapareceu e então reapareceu, eu perdi o emprego. Quer dizer, até parecia que a culpa por ela ter voltado era minha...

"Filha de político influente desaparece misteriosamente", era a manchete do canal concorrente. "Jovem sequestrada por culto satânico", era a nossa. E eu tinha as provas. Ela foi, de fato, sequestrada por aquele pessoalzinho insano. Eu sabia. Tinha uma fonte segura. E estava tudo pronto. Quando eu achei que veria o apogeu da minha carreira, o que acontece? A garota reaparece. Ilesa. Risonha. "Tudo não passou de uma fuga amorosa", foi a nossa manchete. "Jovem repórter perde o emprego", foi a manchete que eu li.

No início da tarde meu chefe entrou na sala. Não disse nada. Só ligou a TV, me fez ver a entrevista da garota, então apontou a porta e disse adeus. Simples assim. Eu tentei argumentar. Ele disse "você estragou nossa imagem. Precisamos de um bode expiatório." Eu entendi. Mas não gostei. E agora estava ali, no mesmo pub de sempre, esperando uma cerveja.

Passaram-se quase dez minutos até o garçom chegar à minha mesa e, sem nem corar, me entregar uma caneca de cerveja quente. Ele depositou a bebida sobre a mesa, deu as costas e sumiu. Sabia que estava me sacaneando, por isso não quis ficar por perto para me ver descobrir.
Desviei os olhos da televisão, agora a repórtir tinha sido substituída por uma tomada área do local, o prédio sendo consumido rapidamente pelo fogo. Rápido demais, eu deveria ter notado. Quando toquei a cerveja nos lábios, percebi que tinha sido tapeado. Na mesma hora, ergui-me da cadeira e bati a caneca na mesa, fazendo voar cerveja quente por toda a volta. "Era só o que faltava", pensei, irritado. Naquela hora eu havia decidido: vou quebrar a cara de todo mundo nessa espelunca. E eu não imaginava o quão certo estava.
Eu estava na metade do caminho quando alguém gritou. Era uma moça. Ela apontava para a televisão. A confusão se instaurou no local, enquanto todos tentavam virar-se para fitar o aparelho. Eu não estava interessado. Continuei abrindo caminho através da multidão, acotovelando uns e chutando outros. Só queria acertar um murro no garçom que me levara aquela cerveja quente.

E então a explosão.

Primeiro foi o som. Alto, ensurdecedor. Instantaneamente, me virei para a televisão. Só havia estática sendo mostrada no visor. Mas, era óbvio que não era dali que vinha o som. Era algo maior, mais próximo. E aumentando. Quando o barulho já machucava meus ouvidos e as pessoas ao redor caiam umas sobre as outras, os mais fracos convulsionando, foi que eu senti o calor. Uma onda de energia quente passou pelo pub, estilhaçando vidros e canecas, garrafas e lâmpadas. Mesmo a televisão encontrou seu fim. Os cacos encheram o ar, acertando um ou outro, inúmeros cortes aparecendo em rostos e mãos. Eu mesmo senti uma fisgada na mão direita, enquanto o sangue vermelho verteu de minha pele. E então eu caí. O som era alto demais para mim. Senti como se minha cabeça estivesse sendo pressionada contra a parede. A dor era insana. Sem perceber, eu levara as mãos aos ouvidos, tentando protegê-los. Só percebi que havia feito isso quando senti o sangue quente que escorria de meus ouvidos tocando as palmas de minhas mãos.
E, de repente, acabou.
O silêncio. Meus ouvidos ainda zuniam, a explosão ainda ecoando em minha mente. Alguém levantou-se perto de mim. Senti a movimentação. Mas não ouvia nada. Abri os olhos. Tudo era um borrão ininteligível. Algo se moveu em meu campo de visão. Não soube distinguir o que era. Mais movimentação. Balancei a cabeça, tentando clarear a vista. Me arrependi imediatamente, pois o que consegui foi sentir uma dor excruciante na têmpora. Fechei os olhos. O sangue parara de verter de meus ouvidos, e minha audição ia voltando a funcionar, aos poucos.

Um grito ecoou ao longe. Mas abafado, engasgado, como se eu estivesse embaixo d'água. Reabri os olhos. As coisas tinham entrado em foco novamente, mas a luz forte feriu minha retina. Os gritos começaram a fazer mais sentido, apesar de não terem essa intenção. Eram só gritos de dor, de agonia. Tirei as mãos dos ouvidos e tentei tatear o ambiente ao meu redor. Primeiro senti o chão duro e quente. Então, minha mão tocou algo macio. Tentei verificar o que era, mas não conseguia entender. Abri os olhos novamente. Desta vez consegui enxergar, mas desejei não tê-lo conseguido. Minha mão tocava um braço. Mas não havia corpo. Só o braço. E uma poça de sangue. Os gritos tornaram-se mais fortes, meus ouvidos passando a funcionar novamente. Olhei ao redor. O teto desabara, esmagando grande parte do lugar. E grande parte das pessoas que ali estavam. Eu me salvara por pouco. Ao meu lado, três outras pessoas se moviam. Duas brigando entre si. Parecia idiotice. Acabaramos de ver o início do fim do mundo, e aqueles idiotas estavam brigando? A terceira pessoa chorava, sentada ao chão, as mãos no rosto. Não, era apenas uma mão. A outra...

- Fuja! Logo! - Um dos homens que brigava gritou, enquanto seu oponente tentava agarrá-lo. A garota, no chão, esvaia-se lentamente, o sangue correndo fraquinho do ferimento que estava onde antes estivera seu braço. O choque me paralisou. Tentei entender o que acontecia, mas nada fazia sentido. E então, o grito. Um dos homens mordera o outro. Eu não conseguia entender, mas parecia um sujeito grandão, forte, e... vermelho...
-AAAAAAAAAAh! - Gritou o outro, enquanto o sangue jorrava de sua jugular, agora exposta, um grande pedaço de seu pescoço faltando. O outro, o grandão não esperou muito. Ergueu a mão e desceu-a com força contra o rosto do oponente. O barulho dos ossos de sua coluna se chocando e quebrando foi nauseante. O homem caiu estatelado no chão. Sem dúvidas, morto. E então eu entendi. Só restava eu. E o cara vermelho.

Ele virou-se para a garota e então pulou. Um pulo desumano. Sem explicação. E quando aterrisou, já enterrava as presas (sim, ele tinha presas), no peito da garota. Ela arfou, já sem forças para gritar, enquanto um pedaço de sua carne era arrancada. Eu não entendia. O que era aquilo? Um pesadelo? O Inferno?

Quando o monstro mordeu sua vítima de novo, desta vez expondo os ossos da costela, um entendimento repentino tomou conta de mim. Não algo nobre, ou bonito, ou digno. Apenas instinto: Eu era o próximo. E ele estava com fome.

Me ergui lentamente, rezando para o Deus no qual eu nunca acreditei, para que meu corpo estivesse em um bom estado. Seria necessário tudo o que eu pudesse fazer para sobreviver. Dei um passo para o lado, saltando o braço da garota, fitando o banquete do monstro com nojo, enquanto procurava algo com o que me defender. Mas não havia nada. Nenhuma arma, nenhuma faca. Nada. Só os escombros do teto que sucumbira à explosão.
Ouvi o ruído de um pedaço de carne sendo desprendido do corpo. Virei-me para o chão e procurei por qualquer coisa que pudesse usar. Achei um pedaço de viga de ferro. Parecia resistente. Tentei erguê-lo, mas falhei na primeira tentativa. Era mais pesado do que eu supunha. Tentei puxá-lo de novo. E escorreguei. Caí entre os escombros, causando grande comoção. E era isso. No mesmo instante eu soube. Havia atraído a atenção para mim. Me virei no chão, e então eu vi, pela primeira vez na vida, um demônio. A pele vermelha. O corpo coberto de músculos e feridas. Os olhos insanos, pequenos, negros. As presas anormalmente grandes, manchadas de sangue. Ele ainda segurava um osso na mão. Uma costela, talvez. Ele arreganhou os dentes, num sorriso macabro. Me encarou. Eu não tinha o que fazer. Ele pulou.

E, por sorte, era um monstro excepcionalmente burro. Eu já sabia que estava morto. Mas estava enganado. O que senti, foi o sangue quente jorrando em mim. Abri os olhos e me vi face a face com o demônio. Ele estava a poucos centímetros de mim. Mas não se movia. A boca aberta, ainda naquele sorriso maligno. Os dentes a mostra. Em seu peito, a viga de metal, atravessando-o, brotando em suas costas. O monstro não relutou muito, apenas parou. Morto.
E eu, sem acreditar, vivo.

Permaneci onde estava por algum tempo, o sangue espesso daquele monstro ainda gotejando em mim. Eu quis acordar. Sabia que era um pesadelo. Mas...

Eu estava enganado...

06 janeiro 2011

Pesadelo

Sinos soavam em algum lugar perto de onde eu estava. Ou sentia estar. Fato comum ao se acordar é recobrar os sentidos gradativamente, como que se o interruptor principal do cérebro fosse acionado e as luzes deste começassem a se acender pouco a pouco, uma área de cada vez. Primeiro minha audição foi acionada, fixando-se nas badaladas que ecoavam pelo cômodo onde eu estava. Então, comecei a sentir as dimensões do meu corpo novamente. O formigamento em meus braços e pernas, um leve sinal de que ainda estavam todos ali. Pode parecer estranho alguém precisar de uma indicação como está, mas para mim era bem útil. Depois do corpo dar seu sinal de vida, foi a vez dos olhos se abrirem lentamente, procurando absorver alguma imagem do ambiente ao meu redor. Essa tentativa logo se provou frustrada. Uma luz ofuscante foi a única coisa que consegui identificar, antes de minhas pálpebras se fecharem novamente em protesto. Desejei levar as mãos a frente do rosto para protegê-lo, mas aparentemente meu corpo ainda não poderia respoder a tal comando, pois a luz continuou a brilhar através de minhas pálpebras cerradas. O choque relativo à iluminação forte provocou uma leve pontada em minha têmpora, o que indicava que minha cabeça ainda estava ali. Minha mente ainda entorpecida trabalhava vagarosamente, somando todas as informações afim de alocar-se de fato no ambiente em que eu me encontrava. Neste instante, meu olfato pareceu despertar, captando então um odor forte que desprendia-se do ambiente. Algo que eu ainda não conseguia associar com nada, afim de conseguir uma identificação. Mas o odor me alarmava, criando em minha mente uma preocupação que eu não conseguia compreender. Tornei a abrir os olhos, desta vez mais vagarosamente, premeditando o ato, afim de tentar vislumbrar o clarão que me ofuscara antes. O choque luminoso não foi tão brusco desta vez, permitindo-me vislumbrar o que estava diante de mim. Precisei de alguns instantes para perceber que a luz provinha de uma luminaria gigantesca, fixada ao teto de uma sala desconhecida para mim. Minha mente agora mais ágil, começou a ligar os pontos do quebra cabeça em que me encontrava. O cheiro que eu sentia logo tornou-se conhecido para mim: fumaça. Ou talvez pior. Aquela fumaça não era proveniente de carvão em brasa. Não, o odor era diferenciado. Certamente era de algo que queimava, mas não se tratava de madeira. O som dos sinos tornava-se mais alto em meus tímpanos, como se eu passasse a ouví-lo mais de perto a cada segundo. Tentei erguer a cabeça para fitar o resto da sala onde estava, mas não consegui. Minha cabeça parecia presa, firmemente segura contra a superfícia gélida que agora eu sentia sob meu corpo. A preocupação que eu sentira antes parecia aumentar cada vez mais, enquanto eu tentava erguer os braços e notava quev estes também estavam presos à mesa. Logo percebi que todo o meu corpo estava completamente imobilizado. Desesperada, pensei em gritar, porém, senti algo que me refreou instantaneamente: um gosto salgado que eu, até então, não havia percebido, destacava-se em minha boca. uma substância salgade que lembrava ferro e me causava ânsias de vômito: Sangue.
Neste momento, o desespero pulsando em minhas eias, eu consegui recobrar por completo o controle de meu corpo, sentindo cada centímetro dele, tendo consciência de cada ponto, cada músculo, cada nervo. E desejei ao mesmo tempo que não o tivesse conseguido. A dor que eu sentia era lancinante, espalhada por todo o meu ser e ainda assim focalizada em pontos exatos, provocando ainda mais confusão para mim. Lágrimas escorreram de meus olhos, resvalando por meu rosto e perdendo-se em meu cabelo longo, que se espalhava pela mesa onde eu estava. Minha respiração ofegante me impedia de articular um grito, então tudo o que consegui foi grunhir em desespero, implorando para que alguém viesse me libertar de meu sofrimento. Enquanto murmurava, incapaz de proferir sequer uma palavra inteligível, minha garganta queimava e um ponto em meu peito latejava intensamente, bem no centro da minha caixa toráxica, no ponto exato onde eu supunha encontravam-se as costelas. Com o passar dos segundos, consegui reconhecer as outras dores que me afligiam. Meu braço esquerdo, preso de forma a ficar com o cotovelo apoiado na mesa, ardia em quase toda a sua extensão, com o contato do ar pesado da sala. Minha mão direita parecia adormecida, mas uma dor latente chamava minha atenção para ela. Uma dor que concentrava-se exatamente em seu centro. Meu quadril afligia-me com seguidas pontadas dolorosas, todas as vezes em que eu tentava me mexer, o que talvez significasse uma fratura ou coisa do gênero. Consegui sentir minha perna esquerda tocando a mesa em pontos estranhos, desenhando em minha mente a forma em que ela estaria posicionada, um ângulo tremendamente errado que me fez imaginar se ela estaria quebrada. Para cada nova dor que meu cérebro computava, a dor no geral ia se amenizando, tornando-se mais suportável. Provavelmente fora só o choque inicial ligeiramente exagerado que me causara tanta agonia, mas ainda assim, mesmo depois de ter a percepção de cada ferimento separadamente, eu ainda sentia meu peito oprimido por todas as dores que se espalhavam por meu ser. Levei alguns minutos para conseguir controlar meu coração e minha mente, a ponto de conseguir segurar o choro e suportar as dores. Tentei apontar meus pensamentos para a obtenção de uma explicação para o que estava acontecendo. O que eram aqueles sinos que soavam incessantemente? De onde proviam todos esses ferimentos que eu possuia? Por que eu estava amarrada em uma superfície gelada, como uma maca de hospital? E o mais inquietante de tudo, o que era aquele odor aterrorizante que intensificava-se cada vez mais? Tentei novamente forçar o corpo para me livrar das amarras, mas estas estavam firmes de mais, me impossibilitando de qualquer tentativa de me libertar. Sem mencionar que o simples ato de me mexer já gerava em mim pontadas de dor por todo o corpo. Respirei fundo para me acalmar, mas logo me arrependi. O ar intragável do ambiente ardeu terrivelmente em minha garganta e fez a dor em meu peito mutiplicar-se milhares de vezes. As lágrimas tornaram a encher meus olhos, mas eu as contive em seguida, disposta a controlar-me. Foi quando aconteceu: Em um instante eu fitava a lâmpada que me banhava naquela luz intensa, os olhos marejados tornando a imagem desfocada. No segundo seguinte, havia um rosto aterrador me encarando fixamente. Talvez fosse só um delirio meu, mas aquele rosto parecia mortalmente assustador. A pele amarelada, quase verde, possuia um aspecto de nada saudável, como que ressecada. Os olhos tinham um aspecto leitoso, as pupílas amarelas pareciam enevoadas, desfocadas. A boca de lábios finos e roxos, como os de alguém que está com muito frio, repuxava-se em um meio sorriso frenético. A aparição deste rosto me chocou de tal forma que me fez sobressaltar-me, tentando me mover inutilmente, enquanto sentia as dores em meu corpo aumentando. Senti um dedo quente e rugoso percorrer minha testa e puxar meu cabelo para o lado, afim de afastá-lo de meu rosto, enquanto a criatura olhava-me com uma expressão de divertimento. - Como está minha paciente preferida hoje? - Sua voz era suave, provocando ainda mais confusão em mim: Parecia improvável que aquela voz suave e ligeiramente aconchegante estivesse saindo daquela boca horripilante. Levei vários segundos para conseguir encontrar minha capacidade de fala, mesmo que ainda assustada demais para conseguir pensar no que dizer. O rosto desapareceu de meu campo de visão sem provocar nenhum ruído, como se a criatura flutuasse pela sala. Assim que não consegui mais enxergá-la, recobrei um pouco de meu controle e consegui pôr a mente nos trilhos, pensando mais adequadamente. Com muito cuidado, abri a boca e pronunciei as palavras o mais baixo que consegui, ainda assim de forma audível: - Onde eu estou? - Minha voz soou falha e débil, assustando-me. Será que meu estado era tão ruim e eu não conseguia perceber? Ouvi uma gargalhada encher a sala por um instante, uma gargalhada sem sentimento algum. Antes que eu pudesse compreender aquilo, fui paralizada pelo toque aspero na pele de minha perna quebrada. O dedo que me tocava percorreu minha pele em um trajeto estranho, reafirmando minha suspeita de que minha perna estava posicionada de forma indevida. Assim que chegou próximo a minha virílha, o toque cessou, o que me deixou muito grata. Então o rosto reapareceu em meu campo de visão, desta vez ilustrado com um intenso sorriso, que ainda assim não produzia nele um efeito animador ou convidativo. E então a criatura respondeu minha pergunta, a voz oscilante devido ao riso contido: - Porque eu tenho de lembrá-la todas as manhãs, Jessy? Você está no Inferno, amorzinho. Sob meus cuidados. - E então ele se inclinou e tocou seus lábios nos meus. Eu tentei gritar, me mexer, tentei desesperadamente reagir. E então, eu estava sentada em minha cama, o corpo coberto de suor, tremendo desvairadamente. Minha respiração ofegante me impedia de gritar, o que foi um alívio. "Foi só o pesadelo", disse para mim mesma. Levantei-me e caminhei até o banheiro. No caminho, dei uma olhada no relógio sobre a minha bancada: 4 horas da manhã. "Tudo bem", disse para mim mesma. Nada de fechar os olhos pelo resto da noite.

O Grande Problema em Ser Inseguro

É que você não consegue aceitar que a sua opinião é absoluta.

"Ah, mas não é."

Não é pra quem, cara pálida? A sua opinião é sua. E, pra você, ela tem de ser absoluta. Você tem de ter convicções.
Não daquelas estúpidas, do tipo "o céu é vermelho e foda-se, vou acreditar nisso sempre." Isso é ser cabeça dura. Isso é ser estúpido. Achar que só você tem razão e tal.
Não, não é assim.

O que eu quero dizer é que você tem que acreditar nas coisas em que acredita. Confuso?

Se você acredita em algo, daí aparece alguém e diz o contrário, você tem que se manter firme. Mostrar que acredita realmente no que defende. Não eternamente. Se for possível dialogar, é até interessante.

Mas se for só um choque de opiniões, a sua tem que prevalecer, pelo menos na sua mente.

É a sua opinião que conta.

E é isso que uma pessoa insegura não consegue manter. O pé firme. A certeza.
Se alguém pergunta um "por quê?", você já fica cheio de dedos. "Por que o quê? Será que eu tô errado? Será que eu falei bobagem?"

Não, jovem padawan. As pessoas só discordam. E isso é normal.
Deixe que discordem.
É melhor ser um burro com opiniões do que um inteligente passivo.

Ou não...

E pra quem discordar, a página de comentários tá logo ali. xD

04 janeiro 2011

A Torre Mais Alta

- Eu tenho uma teoria... - Disse o velho, enquanto encarava o fundo de sua caneca, o resto de cerveja que lá se encontrava agitando-se lentamente. O casal encarou-o, esperando que ele continuasse. - Então... querem ouví-la? - Era um velho malandro, anos e anos de experiência na arte de contar causos. Ele sabia que tinha a atenção de seus interlocutores, mas ainda assim, queria testá-los. Atraí-los ainda mais. Torná-los apenas seus, mesmo que pelo breve momento em que contasse sua história.
- Sim senhor. Diga-nos a sua teoria. - A garota sorria, animada, enquanto segurava a mão do rapaz. O jovem também divertia-se, ansioso que estava por ouvir a história do ancião.
-Pois bem... - O velho começou, mas interrompeu-se ao tomar um gole de sua bebida. Bebericou da caneca, então pigarreou, a fim de clarear a voz. Sorriu, um sorriso repleto de falhas, os dentes que faltavam acentuando sua idade. Cofiou a barba, fitou a janela da tarverna, enquanto lá fora o sol ia se pondo, o horizonte tingindo-se de laranja. Quando sabia que já havia elevado a tensão ao máximo, ele pôs-se a falar, mansamente:

"Cada garota é, de fato, uma princesa, que espera por seu príncipe encantado em seu castelo, protegida por um dragão.
O castelo é o que a garota vive. O quanto ela se considera, o quão importante ela é para si mesma. O dragão, é o que ela espera. Quanto mais forte o dragão, mais ela espera encontrar em seu príncipe encantado.

É claro. Existem muitas garotas que simplesmente ignoram seus castelos. Elas desfazem-se de seus dragões, pois têm medo de esperar durante toda a vida por um príncipe que pode não aparecer. No começa elas tinham majestosos dragões. Que cuspiam fogo, que voavam alto, de rugido ensurdecedor. Mas, com o tempo, enquanto elas viam mais e mais príncipes que não ousavam enfrentar o dragão, elas iam enfraquecendo-o. Paravam de alimentá-lo, a fim de vê-lo definhar, tornar-se menor. Conforme o dragão ia apequinando-se, os príncipes conseguiam chegar cada vez mais longe. Mas a princesa já começara o processo de desfazer-se do dragão e por isso, já não parava. Até o dia em que um jovem corajoso conseguia vencer o dragão. Alcançava as expectativas da garota e então adentrava seu castelo. E salvava-a.

Mas... Não era o que o jovem queria. Não. Os homens, nada mais são do que príncipes aventureiros, desejosos de aventuras inesquecíveis, dignas de serem cantadas por menestréis. Eles não querem matar dragões frágeis e tomar castelos sem muralhas. Elas até o fazem. Alguns sim. Afinal, eles precisam adquirir experiência. Mas não... O que eles querem é o castelo mais desafiador. E é por isso que aquelas princesas em cujo castelo já não há dragão deixam de ser desejadas. Elas já não representam um desafio. Já não são algo que valha a pena buscar.
Os príncipes podem ser mentirosos, traiçoeiros e o que for, mas serão sempre orgulhosos. O aventureiro sempre quererá encontrar aquele castelo inexpugnável, com o dragão mais aterrador. Castelos mais frágeis recebem mais visitas, mas nenhuma que fique por muito tempo...

O que nos traz novamente aos castelos desafiadores. Uma garota sonhadora cria um dragão formidável. Pois ela irá querer um príncipe que tenha mil e uma qualidades únicas. Que seja diferente. Que tenha persistência. E mais do que isso. O real objetivo do dragão poderoso é provar o quão grande é a vontade do príncipe de salvar a princesa. Ela pode sofrer, em sua espera solitária, mas ainda assim, sempre saberá que, um dia, em algum momento, alguém virá salvá-la. E então, tudo isso terá valido a pena..."

O jovem fitou a garota de soslaio, enquanto ouvia a história. Lembrava-se do quão difícil fora salvá-la. Tirá-la de seu castelo, derrotar seu dragão. Ele sempre acreditara que ela era apenas complicada demais. Agora entendia que na realidade, ela só estava se preservando para o príncipe certo.

A jovem flagrou o olhar do rapaz e sorriu timidamente. Lembrou-se do quanto temia que ele desistisse de tentar salvá-la. De quantas vezes pensou em facilitar as coisas, em mandar seu dragão recuar. Mas agora entendia. As coisas haviam sido difíceis. Mas todo o desafio só lhe provara o quanto seu príncipe era especial. E que fora por ele que ela esperara...

-Mas... - O velho sorriu, largando a caneca na mesa e levantando-se vagarosamente. - Esta história vocês já conheciam, não? - E com um último sorriso repleto de falhas, o velho acenou e partiu, deixando o casal para trás, enquanto um apertava afetivamente a mão do outro.

03 janeiro 2011

Sentir e esperar...

Existe um grande problema em gostar de alguém. Um grande problema em se importar com alguém. Um grande problema em parar de pensar só em você.
Os sentimentos da pessoa.

"Mas por quê?"

Bom, pra muita gente isso pode até ser a parte boa. A pessoa em questão gosta de você. Ela se importa. Ela se sente bem. E isso tudo é muito bom. Uma maravilha e tal.
Mas...

E o outro lado? E quando ela não gosta? E quando ela não se sente bem?
E quando você vê que a pessoa em questão não está bem e, por isso, você acaba não se sentindo bem também?

"Oras, isso é aceitável. Afinal, você se importa. Quer ver a felicidade da pessoa em questão."

Entendo.
Mas...
Existe uma leve diferença entre a dita pessoa não estar bem e não estar bem com você.
Se ela está triste, bom, você tenta ajudar. E talvez consiga. Ou talvez não. Mas, a sua participação na história é pelo lado bom. Ajudou. Tentou. Não importa. Estava lá como um apoio.

Agora, e se a culpa da tristeza alheia é sua?
E se foi você, jovem padawan, que colocou caraminholas na cabeça de outra pessoa, fazendo-a se sentir infeliz?
E aí, o que você faz com o sentimento de culpa?
Porque sim, o sentimento de culpa existirá. Você sabe que existirá.
"Fiz uma pessoa aleatória infeliz? Dane-se." Frio? Egoísta? Talvez. Realista? Sem dúvidas. É assim que as coisas são.
Um estranho, um avulso, alguém sem importância. Quem se importa?
Agora... E se é alguém de quem você gosta?
Durma com um barulho desses, jovem gafanhoto...



Outra coisa: e o esperar demais?
Passar dias imaginando como será alguma coisa e, quando ela acontece, não é em absoluto como você queria.
O que você faz? Diz que está desapontado? Diz que esperava mais? Que esperava sentimentos e não piadas?
Talvez sim. Talvez não... O mundo é complicado demais pra quem simplesmente sente, sem pensar. Pra quem fala o que sente e depois espera pra ver. Não, não se pode ser assim. Você sente uma coisa mas fala outra. Pondera sobre o que vai causar menos impacto. E daí... bem... daí vê que não pode falar o que sente. E fala outra coisa.
Mas o que você sente continua ali. Guardado. Enrolado. Amassado. Mas pulsante. Vívido. E acumulando.
E o desafio é o seguinte: segure sentimentos por muito tempo, amiguinho. Ou melhor: tente segurar sentimentos por muito tempo.
Não dá.

Por isso que saber esconder é bom. Ou pelo menos tentar. Molde um sorriso no rosto. Um que esconda lágrimas, que silencie muxoxos, que cale suspiros. E então, mostre que o que sente jamais será mostrado.


Máscaras são importantes, jovem. Importantíssimas. Heróis não usariam-nas se não fossem, não?


O Dia em Que O Jovem Azarado e John Lennon se Encontraram

A manhã não era tranquila. Não. Em absoluto.
Primeiro por causa do despertador. Que não desperta. Um despertador em greve. Talvez seja isso. Uma greve. Talvez ele queira mais recargas diárias. Talvez queira uma música com a qual despertar de maior qualidade. Talvez... bom, talvez seja um simples despertador preguiçoso.
Indiferente. Ele não fez seu trabalho.
E então, o jovem azarado teve de acordar assustado, vestir-se com uma pressa insana, afim de, com sorte, alcançar o seu ônibus a tempo de nele embarcar.

O jovem azarado teve uma manhã de sorte. Seu cabelo não lhe respeitou, nem mesmo sob o julgo pesado do pente. Mas isso é comum. Desde que o jovem azarado se conhece por gente, seu cabelo teve sua própria vontade. O pobre infeliz lembra-se dos seus tempos puerís, quando se pai apontava para o emaranhado de fiapos negros que se dispunha em sua cabeça e lhe dizia "que belo ninho de ratos, jovem azarado".
E hoje não foi diferente. Cada mecha apontando para um lado, a coisa toda sem sincronia nenhuma. "Não temos padrão", disseram os cabelos revoltos. "Não tenho tempo para arrumá-los", replicou o jovem azarado. E assim ficou. Os cabelos insurgentes, espalhando-se ao sabor do vento, da forma que mais queriam. E o jovem submisso, sem nem pestanejar... "É normal", dizia a si mesmo, tentando se animar...

As passagens pro seu ônibus já haviam acabado, mas isso, também, não era nada bizarro. Não uma nem duas foram as vezes em que o jovem infeliz tinha de esperar o próximo ônibus, sentado num banco qualquer, pensando na vida e no tempo que perdera. "Podia ter dormido mais meia hora..." Mas dessa vez ele resolveu arriscar. Foi até o seu ônibus habitual, já disposto a apenas vê-lo partir, porém o que viu foi que havia lugar. E ele pensou "e aí, será que tento?". A sorte nunca lhe sorrira, mas será que não seria esse o dia? Chegou-se ao motorista e perguntou, "ahn... eu tenho uma passagem pra daqui meia hora... se sobrar lugar, posso embarcar nesse ônibus aqui?" E o motorista o encarou. Mascou o palito que trazia na boca, o que, o jovem azarado pensou, era bem estranho. Quem diabos masca um palito às sete horas da manhã? Mas bem, lá estava um mascador de palitos matinais. E o mascador tinha boas notícias. "Tem lugar sim", ele disse. "Pode embarcar."
E lá se foi o jovem azarado, faceiro como ele só, com sua manhã de sorte exacerbada.
E então, para demonstrar o quão animado estava, ele dormiu. E dormir em ônibus é sempre uma experiência diferenciada. Primeiro por causa do enjoo. E também, por causa das marcas.
As marcas, pra quem não sabe, são aqueles riscos vermelhos que frisam a sua pele quando você dorme sobre alguma superfícia ondulada. Pois bem, o jovem azarado tem um sangue maroto, que não é muito dado a correr.
Se por um instante qualquer alguma coisa pressiona uma veia, o sangue já para. Não quer mais correr, só quer descansar. E então, surge a marca. E elas surgem das formas bizarras. Teias de aranha nos braços, circulos nas bochechas, hieróglifos no pescoço. E lá está o jovem infeliz, repleto de tatuagens naturais. E é assim que ele tem de ir trabalhar.
Mas antes de acordar, antes de poder saltar do ônibus parecendo um mapa-mundi psicoldélico, ele teve o Sonho. Não um sonho. O Sonho. Aquele que ele tem quase todos os dias, desde recentemente. É sempre o mesmo sonho. Os mesmos personagens, os mesmos acontecimentos. E o mesmo desfecho. O sorriso. Um aceno. Ele chega mais parte. E então, a rodoviária.
O ônibus parou fazendo barulho, e o jovem azarado acordou. "Parece que nem na minha manhã de sorte o sonho vai adiante. Deve exigir muita sorte". Talvez. Ou talvez, o Sonho simplesmente não possa mostrar aquilo que o jovem infeliz desconhece... Talvez...

E o jovem azarado chegou ao trabalho. Atrasado. Mesmo sem engarrafamento e mesmo sem tropeçar, parece que é impossível para o pobre infeliz chegar no horário. Mas ele chegou. A camisa preta, com a estampa do seu jogo favorito logo atraí alguns olhares. Mas é sempre assim. "Não se atende em uma agência bancária com esse tipo de roupa". Ele sabe. Mas é assim que ele é. Paciência, não há outra roupa pra usar. O cabelo encrespado também destoa do cenário geral. Afinal, em meio a tanto gel e penteados intocados, aquela massaroca abissal não poderia passar despercebida. Mesmo que inconsciente, a mão voa até as mechas mais revoltas, tentando detê-las, convencê-las a se ajustarem e passarem a viver uma vida regrada. E de nada adianta. Elas até se contêm por um instante. Mas logo são incitadas pelas demais e pronto, já estão na farra de novo. E lá vai o jovem infeliz, a camisa negra atraindo olhares, o cabelo crespo formando opiniões. Mas isso é normal. Nada até então poderia ter deixado o jovem azarado menos animado. Principalmente sabendo-se que haveria o café.

É claro, ele havia esquecido: naquela manhã, haveria um café da manhã especial na agência. Para uma reunião cujo tema era uma surpresa. E, o jovem azarado sorriu. "Indiferente de qual seja a surpresa, pelo menos estarei de barriga cheia."

Mal sabia ele o que o destino lhe reservava...

02 janeiro 2011

Rafael e os blogs,,,

Sim, senhoras e senhores. Cá estou eu de novo, escrevendo em um blog.

E, isso me envergonha...

Por quê?
Bom... Não é a primeira vez que eu tenho um "retorno triunfal" para a blogosfera.

Cada blog que eu crio [sim, eu já tive vários] dura um bom tempo e tal, mas acaba acabando [adoro cacofonia] sempre pela mesma razão: falta de leitores.
Sim, sou uma pessoa tremendamente necessitada de atenção.

Não, espera, isso não está certo. Em quase a totalidade do tempo, eu não ligo a mínima para a atenção que as pessoas dispensam pra mim. Quem se importa? Eu prefiro é viver uma vida stealth mesmo.

Mas, quando escrevo... Bom, escrever é algo que eu gosto de fazer. E isso, acaba refletindo a minha insegurança. Eu preciso saber que escrevo bem. Que escrevo algo útil. Que o que eu escrevo é legal de ler.
E, em um blog abandonado às traças, como é que eu vou saber se gostam?

Por isso, eu criava um blog, postava um mês, ficava amuado pela falta de comentários e então abandonava tudo.

Mas bem, cá estou eu agora.
A chama reacendeu. Quero escrever loucamente, como nos velhos tempos. Não sei o porquê... Haha
Não, na verdade eu sei. Mas ainda assim. Quero escrever, vou escrever. E dane-se o resto.

Mas então. Afim de me humilhar e deixar claro quantas vezes eu já saltei fora dessa vida de blogs, vou postar aqui aqueles nos quais eu já postei. E vamos lá:


Sim, ele sequer era no blogger.
Naquela época, essa porra aqui era pouco famosa. Pelo menos pra mim...
Nesse blog eu escrevi um tempo, por causa de uma garota. Depois larguei, quando ela me chutou. [Nível de pateticidade: 10]
Depois reativei. E relarguei.
E agora está plenamente desativado... Eu acho...


Esse nem era de fato meu. Se fosse, o título seria "Sorvete de Flocos". Era uma parceria com um pessoal de uma comunidade do orkut, mas...
Quando eu briguei com todo mundo, acabei parando de postar por lá. Parece justo, não? Haha


Esse é um blog recente, na realidade eu ainda posto por lá...
Mas... Sei lá, não é a mesma coisa.


Já ia esquecendo do recanto. Bom, lá não era de fato um blog... era mais um acervo de crônicas e tantz. Mas ainda assim. Lá foi o lugar onde eu mais publiquei textos e tal. Tecnicamente ainda não abandonei aquilo lá, mas enfim...


Enfim. Cá estou.
E vamos ver até onde isso vai.