09 janeiro 2011

O Fim do Mundo [Lilith]

O fim do mundo começou porque eu estava cansada.

E não, isso não é uma coisa recente. Eu estou cansada há milênios. Cansada do fogo e do enxofre. Cansada dos gritos de dor e agonia. Cansada das torturas e do terror. Cansada de tudo isso.
O Inferno já não é mais o mesmo.
Quando meu pai, Lucifer, chegou aqui, nada mais havia do que um planeta negro, onde os raios de Sol não chegavam. Não havia vida, não havia possibilidade de ela vir a existir. Nada. Apenas escuridão. Então, ele resolveu mudar tudo. Já que ele havia sido banido de sua terra, do aconchego de seu lar e do convívio com sua família, ele resolver criar uma nova vida para si. E primeiro veio o fogo. Para substituir o Sol. O planeta passou a ser iluminado, deixou de ser mortalmente frio. Mas ainda era inabitável. Ele percebeu que precisaria que sua nova família pudesse suportar o calor e a terra morta. Sua nova família teria de ser feita completamente de seres fortes, sobreviventes. Tais como ele. Sua nova família, seria superior a todo o resto da criação. E então, ele fez aquilo que, além de Deus, só os arcanjos podiam fazer, apesar de isso ser considerado o mais grave dos crimes: ele deu vida a algo inanimado.

Juntando a terra ressequida entre as mãos, ele refez os passos que um dia vira seu Pai seguir, porém fazendo as adaptações que julgara necessárias. Esculpiu o corpo com as cinzas da terra morta. Forjou a pele no fogo Infernal. Preparou os detalhes para que sua cria fosse sobreviver a tudo. E então, soprou em suas narinas o "Sopro Divino", realizando seu milagre e dando vida a mim. Sim, eu sou Lilith, "O Primeiro".

Meu pai sabia que esta ação seria julgada como a maior profanação de todos os tempos. Por isso, tomou precauções para que não houvesse necessidade de se repetir o ato. Ele queria uma família, mas temia a ira de seu Pai, então, me fez de uma maneira que eu pudesse levar sua prole adiante. Eu sou a Rainha. Todos os demônios nasceram de mim. E nascerão. Pela eternidade.

Eu tenho estado em meu trono desde o princípio. Faz tanto tempo, que já nem lembro. E isso... me cansou.
Eu já não aguentava mais viver apenas aqui, no Inferno, vendo todos os rituais repetindo-se dia e noite. As almas perdidas vindo para cá. Meus filhos divertindo-se com os recém chegados. E toda a algazarra. Todo o ódio, todo o rancor. Tudo isso me cansou. Eu queria algo novo, algo diferente. Eu queria a Terra.

Acho que é preciso explicar-lhes o conceito de Inferno e Paraíso. Não há "lá em cima" nem "cá embaixo". Estamos todos no mesmo nível. Só que em dimensões diferentes. E, seres de uma dimensão não podem interferir na dimensão paralela. Exceto, segundo Lucifer, por Deus. Como ele criou tudo isso, o Inferno por último, para abrigar os caídos, ele tem passe livre entre um lugar e outro. Mas de resto, ninguém vai de um lugar ao outro.

Até o dia em que o mundo acabou.
Eu sou "O Primeiro", por isso tenho certos poderes que os demais não tem. O Sopro Divino que me anima me diferencia dos demais. E, por isso, eu consigo enviar minha influência para lugares distantes. Até mesmo, para outras dimensões. E foi o que eu fiz. Como um rádio amador, enviando sinais para o espaço, eu passava meus dias tentando encontrar alguém na Terra que quisesse me ajudar. Era insano. Afinal, qual ser humano iria querer ajudar alguém que quer apenas destruí-lo?
Mas, para minha surpresa, havia alguém. Um homem. Não recordo seu nome. Ele ouviu meu chamado. E aceitou a proposta.
Durante dois anos, ele construiu a estrutura que colocaria meu plano em ação. E não falhou. Marcamos o dia. No Inferno era só mais um período de escuridão ensandecedora e calor insuportável. Na Terra, era um dia pacato, de céu nublado. Ele fez o necessário para me abrir o caminho.

"Atráves do Coração ainda pulsante de um sacrifício impuro, abrirá-se o caminho entre o Inferno e a Terra."

Ninguém sabe de onde surgiu a lenda. Ninguém sabe quem a escreveu. Mas agora, eu sei que funciona.

Quando o homem que me ajudava cravou o punhal no coração da garota, a alma dela se perdeu na escuridão, deixando assim um lugar para que eu pudesse subir. O caminho estava aberto e eu, preparada. A profanação de um coração humano era um sacrifício grandioso, porém só me proporcionaria um corpo terrestre. O resto do caminho eu teria de abrir manualmente.

Chegando a Terra, quando me vi no corpo daquela garota, percebi que meus poderes não haviam sumido. O Sopro Divino em meu interior ainda era o mesmo, e eu ainda poderia influenciar as pessoas. O homem, Ivan, me recordo agora, jurou me ajudar com o que fosse necessário. E o fez, de sua maneira. Ele sabia o que precisávamos fazer e sabia exatamente como fazê-lo. Decidi seguir seu plano.
Primeiro, retornei até a casa da jovem cujo corpo eu habitava. Pessoas me abraçavam, surpresas, com o meu retorno. Eu levara Ivan comigo, e logo todos criaram histórias a respeito de meu sumiço. Eu não me importava. A jovem habitante do corpo talvez tivesse levado em consideração, mas para mim, aquilo não significava nada, eram só histórias sem sentido. Me foquei no que importava: trazer meus filhos à Terra.

Pusemos o plano em prática.
No topo de um prédio qualquer, nós abriríamos o portal. Primeiro foi a fogueira. Então as palavras mágicas. O ritual era simples, mas precisava de algo que ninguém antes tivera: O Sopro Divino. No momento em que deixei o ar sair de meus lábios, o fogo ganhou vida. Tomou conta do prédio com uma velocidade surpreendente. Ivan, ao meu lado, sentiu que estava perdido, mas eu lhe disse para não se preocupar. Ninguém que serve à Lilith paga por seus serviços.

Quando o portal se abriu, o Inferno veio à Terra, causando um choque monstruoso. O fogo se espalhou por todos os lados, a energia da explosão varrendo tudo o que havia ao redor do prédio. Os humanos sofriam. Meus filhos estavam livres.
Eu estava feliz.

Demônios pulularam a cidade em segundos. Minhas crias, correndo livres pelo mundo onde havia Sol, onde não havia fogo nem enxofre. Meu pai sentiria orgulho, se ainda estivesse vivo...
Eu vi enquanto meus filhos se divertiam, fazendo humanos sofrerem. Era o que sabiam fazer, afinal de contas. O Inferno na Terra havia começado. E eu estava feliz.
O Fim do Mundo havia começado, e eu estava feliz.

Um comentário:

É sério?