04 julho 2011

Nosso tempo...

Dizem que para tudo na vida, há uma hora certa, um tempo correto para acontecer.
Dizem que na vida, as coisas só acontecem quando devem acontecer.
Dizem que na vida, nada do que você faça irá adiantar o andamento das coisas.
Dizem que, indiferente do que você espere ou indiferente de como aja, tudo terá o seu tempo.

Foi assim com o nosso.
Confuso, complexo, ininteligível muitas vezes, mas ainda assim...

O nosso tempo foi bastante estranho, talvez mais para mim do que para você, por que eu não percebia de fato que ele havia chegado.
Muitas vezes isso acontece, você não se vê naquele momento e, de repente, o tempo acabou.

No meu caso, não foi tão desastroso. Mas eu percebi, de fato, tarde demais.
Quando eu compreendi que as coisas importantes estavam acontecendo, elas já haviam acontecido, os fatos consumados, os erros cometidos. Não houve volta. Só me sobrou viver a decadência, aproveitar o fim dos bons tempos.
Do nosso tempo, eu só vi o lado negro...

Um problema de ver o tempo passar, é que o tempo não volta.
Quando o tempo é bom, quando as coisas vão bem, nós nem percebemos o tempo passar. Os dias se arrastam, os meses passam, os anos escorrem e você nem liga. Está tudo tão bom, tudo tão agradável. E as coisas vão assim até que um dia não estão mais.
Chocante? Não, nem um pouco. Assim como as coisas vão bem, elas vão morrendo. Sabe como dizem que cada passo é um passo a menos em direção ao fim?
Quando aproveitamos o nosso tempo, ele está fadado a acabar, do momento em que começou. Porém, se tudo vai bem, nós acabamos não percebendo. Até que um dia, simplesmente, acabou...

Mas sabe o que é pior do que isso?
Quando o nosso tempo está passando e a gente está vendo isso. Quando você percebe que as coisas estão acabando, que nada mais será como antes e, com todas as suas forças, tenta fazer o tempo voltar. Fazer com que tudo volte a ser como antes. Fazer com que tudo volte a ter sentido, a ser perfeito.
Seguir o tempo pode ser ruim. Lutar contra ele é um tanto pior...


Mas vá lá. O tempo passa... de um jeito ou de outro, você sobrevive. Às vezes não, mas...
Digamos que sobreviveu, talvez com um ou outro ferimento, mas nada muito sério.


Há uma grande questão... uma que você vai se perguntar por muito tempo, que vai te tirar o sono, que vai te fazer ver sinais em qualquer coisa, vai te fazer ficar de olhar vidrado, perdido em suposições sem sentido...

"O nosso tempo não volta?"

Te vi agora e pensei, pensei mesmo por um instante, pensei com profundidade e, creia-me, parece que achei uma resposta: Não.

Nosso tempo acabou.
Já não volta mais.
E sabe por quê? Por que nós desistimos dele. Um abriu mão, o outro agarrou-se a ele de forma negativa.

Não que um tempo possa voltar. Lógico que não.
Voltar o tempo é impossível. Vira-tempo não existe. Mágica é coisa de filme. Voltar no tempo não acontece.
O que se faz é começar de novo.
Não recriar, apenas continuar. De onde parou. Como parou. Não importa. É seguir adiante. É acordar uma manhã, virar na cama e reparar que aquela pessoa ali do teu lado ainda pode fazer milhares de coisas diferentes, ainda pode te surpreender de uma quantidade tão grande de maneiras que, só de perceber isso, você já se surpreende.

É saber que, apesar de ter acabado, você pode começar de novo.

Nós podíamos ter feito isso. Podíamos ter tentado. É. Podíamos.
Mas agora é tarde. O nosso tempo acabou.

A certeza me vem ao perceber que dizer que o nosso tempo acabou já não me entristece. Não é como ver uma foto antiga de um álbum da infância, que provoca nostalgia. Não é como ouvir uma música cheia de significados.
É simplesmente lembrar de algo que deu errado.
Não um erro cometido, mas um tempo não aproveitado.

Meu tempo hoje é outro, um que eu pretendo renovar e manter eternamente.
Meu tempo hoje me é visível, sensível e agradável.
Meu tempo hoje é meu.
É o que eu tenho. É só o que tenho.

Pois o nosso tempo, sinto muito....
Mas o nosso tempo acabou.

24 maio 2011

Desabafo

Hoje quero desabafar.

Sim, eu sei que reativar o blog com um desabafo não é uma coisa muito boa, mas ainda assim, é o que eu quero.
Cansei. Preciso falar. E que se exploda também...


Há muito tempo eu venho percebendo o quão diferentes e únicos os indivíduos são. Claro, isso é uma coisa bastante óbvia, não há muito mérito em perceber um detalhe destes...

Mas mesmo assim, é interessante tentar entender o quão singular é uma pessoa. Cada detalhe, cada gosto, cada mania, cada tendência. Seres humanos são criaturinhas bastante complexas e praticamente impossíveis de copiar.

É claro que alguns tentam...

Se você prestar bastante atenção, irá perceber como há inúmeros e inúmeros indivíduos que tentam ser iguais aos outros. Como tentam copiar suas atividades, seu visual, seus gestos. Suas frases de efeito e suas poses triunfais.
Meio patético, mas ainda assim, verdadeiro.

Todo mundo sabe o porquê: insegurança.
Seres humanos são seres sociais, precisam da aprovação dos demais. E para alguns, essa aprovação é tão importante, que eles simplesmente não arriscam perdê-la. Para tanto, estão dispostos a abrir mão de suas singularidades e tentar adotar a personalidade de outra pessoa, de alguém que é bem quisto, perfeitamente aceito e sem risco de ser esquecido.

Pessoas temem a solidão, o abandono, a indiferença, e por isso, abrem mão daquilo que as torna únicas.

Nem todos são assim, é claro.
Existem aqueles que são naturalmente atraentes, que sem precisar copiar ninguém, conseguem toda a atenção de que precisam.
E há aqueles, mais raros, que não têm essa tendência natural de necessidade de aprovação. Pessoas que, invertendo os valores atuais da sociedade, priorizam o "eu" que eles veem e do qual eles gostam, em detrimento daqueles que os outros apreciam.
Pessoas que estão dispostas a enfrentar preconceitos e indiferença a fim de manterem-se fiéis a si próprias.

Pessoas taxadas, normalmente, de diferentes, estranhas, incomuns, não populares, e por aí vai.

Mas meu desabafo não é sobre elas. É sobre ser humano. Não "o" ser humano. Mas o "ser" humano. O verbo "ser".

Ser humano é ser único, indiferente de como se trate essa unicidade, singularidade, ou seja lá o nome que se quer dar.
Cada humano é único com suas fraquezas e forças, mesmo que não as reconheça.

E o que eu percebi, ou sempre soube, ou talvez esteja enganado, é que eu desprezo os seres humanos, juntamente com todas as suas fraquezas e forças, vícios e virtudes, defeitos e qualidades, indiferentes de conhecidas ou não. Os desprezo com todo o meu ser, com todas as minhas forças, com toda a minha capacidade.
Porque o ser humano é uma criaturinha volátil. Instável, indigno de confiança. Uma coisinha desnecessária, repugnante, desprezível em todo o seu ser.
Seres humanos são a pior coisa que já aconteceu pro mundo.
Esse é o meu desabafo.
Talvez seja mais um "mea culpa", uma admissão que eu não consigo compreender os seres humanos, não consigo aceitá-los e por isso os desprezo. Pode ser...

Mas agora, você aí, ser humano desprezível que é, deve estar, se se importa, bufando de raiva, dizendo para si mesmo "quem ele pensa que é? É só outro humano desprezível".

E é verdade. Eu sou. Humano, até o cerne. Até a alma. Esse desprezo é o que me define como humano. É o meu traço majoritário. É o meu defeito primal, a minha maior virtude. Tanto faz.
Assim como existem aqueles que amam a todos. Assim como existem aqueles adoram o prazer, idolatram a fama e atenção, que se sentem bem em serem os mais amados, existe o contrário. Suponho que exista. Eu existo, pois bem.
Um belo exemplo.
O que me faz humano é isso: detestar humanos.
Contraditório. Como um bom humano deve ser.

15 março 2011

O Significado da Palavra Solidão

Antes eu tinha essa visão meio... monótona a respeito da Solidão. Para mim, esse sentimento nada mais era do que a sensação de se estar sozinho. Aquele aconchego de saber que você está, queira ou não, solitário, sem ninguém com quem se preocupar. Não digo apenas solidão física, aquela de estar trancado no quarto assistindo anime. Pode ser a Solidão psicológica também. De se sentir isolado, sem laços com ninguém. Não de viver isolado, mas de manter uma... digamos... "distância de segurança" das outras pessoas.

Tá aí uma coisa que eu fiz por muito tempo, diria até que por tempo demais: manter a tal da distância de segurança. Tentar não se afeiçoar muito às outras pessoas, para evitar qualquer tipo de ligação com as mesmas. Uma atitude meio egoísta e mesquinha, mas vá lá... auto-defesa é isso...

Mas então, a solidão proporcionada por este tipo de vida é bem amena. Bem fácil de administrar. Você se isola, ignora todos, faz parecer que está solitário por opção, o que muitas vezes é verdade, e assim vai vivendo. Pessoas que não te são importantes não te dão saudades. Você só sente falta daquilo que gosta. Até aí, tudo muito bom...

Agora, temos aquele momento em que você resolve quebrar o paradigma e se aproximar de alguém. E você se torna amigo. E se apaixona... E vem aquela história de simplesmente não conseguir mais ficar longe da pessoa em questão.
Mas é lógico, você não pode ficar grudado na pessoa que ama o tempo todo. Por mais que isso te soe perfeito, não é algo factível. Não é nem mesmo saudável. Dizem que a paixão é como uma planta, que precisa de ar e de espaço para florescer. Então, vocês se afastam às vezes. Por um dia, quiçá por uma semana. E aí é que vem a verdadeira solidão...

Ouvi dizer que, naquele livro do Dostoié... ehrm... Dostoiévski? Talvez? Não lembro o nome do russo maldito e não tô com saco pra "googlar"... Enfim... aquele livro, "Crime e Castigo" (que lembra muito o título de um livro da Nora Roberts... mas vá lá...), ele fala que a real punição na cadeia, a verdadeira privação da liberdade não é não poder sair de lá, mas se ver obrigado a estar sempre acompanhado. Não conseguir, em hipótese alguma, ficar sozinho. O fim da privacidade. Aí é que reside a punição.

Pois, creio que com o amor, aconteça o contrário, talvez. A real solidão não é estar sozinho, mas estar longe dela. Mesmo que você esteja cercado de inúmeras e das mais variadas pessoas, ainda assim, sem ela, aquela que lhe é especial, é como se você estivesse sozinho, em uma sala cheia de ruídos e vozes estranhas... Falantes, notáveis, porém ininteligíveis...

Desde que passei a gostar de alguém, gostar de verdade, passei a sentir uma falta tremenda da dita pessoa. Nada muito obsessivo, mas ainda assim, uma dependência sensível. Não que eu vá morrer se não vê-la por um momento, mas com certeza, se eu vê-la naquele instante, terei uma razão para sorrir. E aí... você experimenta essa felicidade fácil, singela, viciante, e já não consegue mais ignorar tal sentimento. E quando ela se afasta, quando sai do seu alcance... bem... vem a saudade. Apertando o peito. E de nada adianta tentar ignorar o sentimento, ou saciá-lo com alguma coisa que ocupe sua mente. De nada resolve. E você se sente só. Não por estar isolado. Mas por não estar com ela.

Solidão de quem é só, é isolamento. Solidão de quem está apaixonado, é saudade.
Saudade vicia. A parte ruim é a sede intensa que ela te aplica. A incapacidade de saciar o desejo por aquela companhia, indiferente do que se tente. A parte boa é que... bem... quando se reencontra aquela pessoa de quem se tinha saudade... é... vale a pena.

10 março 2011

Coisas aleatórias

Retorno de Carnaval é uma coisa animalescamente estranha. Bom, pra mim nunca havia sido, visto que o Carnaval nunca me significou nada além do feriado. Mas pro resto do mundo, parece aquela coisa de "opa, vamos lá, começou o ano". E daí o que acontece? O povo chove no banco querendo acertar as contas. A quantidade de negociações de dividas que eu fiz hoje foi uma coisa inexplicável. Boneco se endivida na virada do ano [não sei o que diabos fazem com o décimo terceiro, mas enfim...] e daí me aparece lá agora, três meses depois, querendo reparcelar a dívida e tal. Lógico que eu ajudo. Lógico que eu me esforço pra resolver o problema. Mas ainda assim, fico com aquela sensação de estar "fazendo vista grossa".

O povo é burro e não sabe lidar com o dinheiro. Depois cria aquelas dívidas homéricas e começa a choramingar. "Ai juro abusivo, ai os produtos são sedutores demais, ai o banco me enganou". Sim, mas ninguém te obriga a gastar. Você gasta porque quer, jovem.

Falta uma reeducação financeira no povo brasileiro. O pessoalzinho tem que aprender a gastar só o que tem... e não comprar coisas desnecessárias só porque elas estão disponíveis em "17x sem juros nas Casas Bahia".


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Hoje resolvi largar a faculdade. Sim, um mês depois de começar. A minha facilidade pra desanimar das coisas é absurda. Mas eu simplesmente sei que não era pra mim.
"Ah, mas não deu tempo de ter certeza", você diz. Provavelmente não, mas eu simplesmente sei. Posso não saber em absoluto o que eu quero da vida, mas tenho plena certeza do que eu não quero. Essa faculdade de Direito sempre me soou como um erro, mas eu resolvi tentar. Não demorou quase nada para perceber que sim, foi um erro. E um erro caro. Por isso a decisão rápida de saltar fora. Agora, volto a ter tempo livre, o que talvez faça essa porcaria aqui voltar a ter posts mais constantes... mas não prometo nada, né...



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A melhor parte de ter uma namorada, e cá entre nós, eu não levava fé que isso fosse verdade até hoje, quando comprovei, é a parte do apoio incondicional. Claro, isso se restringe aos namoros em que as duas pessoas estão juntas porque se amam de fato, e não porque querem "sexo grátis" ou para fazer um grau ou sabe Deus quais outras safardanagens as pessoas inventam pra justificar namoro.
Mas como eu ia dizendo, a decisão de largar a faculdade me fez surtar ligeiramente. Não, me fez surtar muito. Debates enfadonhos no interior da minha mente. Ter múltiplas personalidades pode ser problemático, vez por outra. Mas aí entra a presença da namorada, que atua como um Porto Seguro para a discussão. Afinal, indiferente de quantas e quais sejam as forças que estão guerreando no interior da sua mente, todas elas têm em comum o amor enlouquecedor pela donzela dos cabelos cor de rosa. Logo, fica mais fácil controlar essa confusão toda. No fim das contas, ela é mais do que minha amiga, companheira, parceira de animes e de conversas fiadas: ela é também um dos poucos santuários de sanidade que existem no interior da minha mente. E talvez a única certeza sobre o meu futuro. O desejo concreto de viver com ela pra sempre.


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E o Grêmio? Time filho da p***, honrou o título de Imortal Tricolor e foi buscar o resultado nos últimos (e quando digo últimos, digo últimos mesmo) minutos da partida. Um jogo emocionante como a tempos não se via. E animador. Ganhamos o título, saímos com tudo. Importante.

Animou minha noite que, vinha cambaleando. Mais animador ainda foi descobrir que a minha namorada, que cada vez me surpreende mais (já descobri que detesta salada e cebola e que não tem medo de gore.) tem uma tendência pré-determinada para torcer pelo Grêmio. Quando eu digo que ela é perfeita, ficam bravos comigo. Bom, ela fica brava... Mas vá lá...


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Enfim, acho que é a isso que se resume meu dia. Tempos que eu não fazia uma postagem aleatória por aqui. Bacana. Pra desafogar e tal. Pretendo fazer isso mais vezes. Só não espero que se torne um hábito... senão eu perco o meu traço de personalidade de simplesmente ocultar tudo o que eu sinto. Já pensou?

20 fevereiro 2011

Jogar Palavras no Papel.

Preciso de um caderno novo.
Não preciso de um caderno com muitas frescuras e tal, só precisa ser um caderno companheiro.
Companheiro de todas as horas, todas as ideias. Preciso marcar a mudança.
O que melhor que um caderno, com novos e velhos textos, para isso?
Um caderno que possa repousar minha lapiseira, que eu possa fazer malabarismos com ela e assim um texto nascer... Preciso apenas do caderno...
Os motivos e a mudança eu já os tenho... Aqui comigo há mais do que um simples desejo... Mais do que o "simples amor".
Só me falta o caderno
para poder finalmente
começar o novo
TEMPO.


Cuidado.
Simplesmente jogar as palavras no papel pode, sim, gerar algo bacana. Mas, pode também ser desastroso.
Apenas jogá-las não traz sentido algum. Somente o buscar, o trabalhar, o ler e reler faz com que seus textos tenham um valor maior do que o simples brincar com as palavras.
Pensar significa ter "aquela" ideia e trabalhá-la mentalmente, buscando os sentidos, a melhor forma de expressá-la, buscar e rebuscar novamente o clímax, uma forma verdadeira, independente do tipo de texto para que ela seja bem escrita e, só então pegar o lápis, lapiseira ou caneta e começar a colocá-la no papel. Apreciar cada momento, cada palavra, faz com que o escritor produza mais do que um simples texto.

As cinco primeiras palavras revelam tudo sobre o texto? Blasfêmia...
Trata-se apenas da primeira impressão que você tem de um texto. Ele pode conter mais do que o significado daquelas cinco primeiras palavras, talvez, um pouco hesitantes do autor.

Textos grandes são cansativos? Blasfêmia...
Trata-se apenas de lê-los com calma, encontrando assim um mundo irreal, que fará a sua imaginação voar livremente, participar do texto e, quando ele finalmente acabar... Vai descobrir que ele poderia ter mais, muito mais.

Textos curtos são melhores, mais rápidos e práticos? Blasfêmia...
Em não perder tempo, você perdeu um mundo, sua mente ficou restrita a poucas palavras, aquele pequeno universo não faz com que busque mais sentidos, com a maior liberdade e pode até te fazer viajar pelas fronteiras perigosas da interpretação dúbia. Eles têm seu valor, mas devem ser pensados com calma para que o mundo e o clímax estejam ali, sem perdas. Não deve ser apenas um jogar de palavras no papel como a exemplo da primeira parte deste post.
Cada um tem o poder de expressar seu sentimento de uma forma ou outra... Mas não podemos simplesmente ignorar o expressar do outro pelo fato de que esse não combina com o seu jeito. Na literatura, entre o mundo de poesias, histórias, crônicas, poemas, contos e tantos outros, há dimensões variadas de idéias, sentimentos e palavras.

Apenas abra os olhos de sua alma, ou perderá todo o significado.

Arnaldo Jabor




Puta mentira, esse texto não é dele. Haha

Mas também não é meu. Mesmo que, em sua totalidade, ele reflita a minha opinião. Existem textos e textos, arte e arte. Não há como comparar, tal como não há como eleger melhores e piores.
O que se pode fazer é escolher qual delas mais te agrada. E, se sua mente assim permitir, tentar apreciar as formas variadas.
Sem tentar mudar. E sem desmerecer.

Pois a arte não é uniforme, não segue regras nem diretrizes. A beleza da arte está, como dizem, nos olhos de quem vê. A questão é ver.

E, minha opinião pessoal: contos superam em muito poemas. Por que exigem da tua imaginação um trabalho que o poema não. Não que a poesia não interaja com a criatividade do leitor. Mas ela o faz de uma forma diferente. Menos desafiadora, mais detalhada.

Prefiro histórias. Prefiro ficção. Prefiro ler por horas a fio. E é isso aí. Isso exemplifica o meu blog. E tantos outros que por aí estão. Contos longos, bem trabalhados [não no caso dos meus, a humildade me obriga a dizer] e que te fazem "perder" mais do que 2 minutos a fim de que possa apreciar.

Mas também, entendo minha incompreensão... Em um mundo ágil e prático, quem tem tempo para ler mais do que dois parágrafos? A graça das coisas é ler o resumo. A praticidade de exprimir sentimentos em poucas palavras. Pena, não consigo. Por mais que eu ame as coisas simples, meus sentimentos, em sua maioria, são complexos.

Paciência.
Só sei que, quando a hora derradeira chegar e, seja quem for, me perguntar como foi minha vida, quero poder dizer: "jovem, sente-se aí e se prepare, porque a história vai ser longa."
Já pensou, sua vida em dois parágrafos? Medo!

Simplicidade tem lugar. E não é na literatura. Quero calhamaços gigantescos. Quero Senhor dos Anéis. E tenho dito.

17 fevereiro 2011

Eu Prefiro as Flores.

Dia desses ouvi, ou li, sei lá, uma garota dizendo algo mais ou menos assim: "não me dê flores, pois elas murcham e logo morrem."

E então eu me senti ofendido. Porque, admito, eu sou do tipo de cara que daria flores para uma garota. E aí, vem alguém e me diz que o meu gesto não é bem quisto? Quer dizer... garotas não gostam de flores? Flores são um gesto sem significado? Sem valor? Uma forma efêmera de demonstrar afeto?

Espera aí... isso modifica toda a minha infância...


Então ouvi alguém dizer que, se você quer demonstrar amor, você deve dar para a garota algo especial, cheio de significados. E veio logo a menção ao ouro. Jóias, no geral.

Daí eu tive a epifania.

Muitas mulheres gostam de ouro por causa do que ele representa.
Vamos tomar o ouro como exemplo, por favor. Não estou generalizando. Mas vamos lá...

O ouro é encontrado em minas, rios, bancos... sei lá. Normalmente em uma forma rústica, bruta. Sem brilho. E então, é preciso trabalhá-lo. Valorizá-lo. Torná-lo belo, forte, resistente, valioso. Para que então, se torne algo durável, aprazível aos olhos, de imensurável valor.

E eis que é isso que as mulheres querem. Algo que represente um sentimento sólido. Algo resistente, duradouro. Que possa ser ostentado por longos anos, por tempos e tempos. Algo que valha por si só.
Pois assim, quando presenteadas com algo assim, elas se sentem valorizadas. Não nos limitemos a ouro. Qualquer objeto, ou mesmo gesto, que seja dispendioso, trabalhoso, grandioso, ganha o coração de uma mulher por si só. Pelo esforço que demanda. Por fazer a mulher se sentir valorizada.

Mas... e as flores? Que nascem no chão descuidado, desabrocham mesmo abandonadas... Vivem suas existências curtas, apenas pelo prazer de se abrir e alegrar, mesmo que por um instante, o ambiente onde estão.
O problema das flores, é que elas são simples. Elas, tão facilmente quanto nascem, morrem. Elas acabam em seguida. E isso às torna um ícone pouco desejável. Afinal, ninguém quer um amor finito.

Mas... elas são simples...
Nascem sem ligar para o que virá a acontecer. Mostram seu esplendor mesmo sem platéia. Findam sua existência sem temer serem esquecidas... E... não é assim que deveria ser o Amor?
Simples? Sem regras, sem demandas, sem ostentações... apenas... Amor...

Eu prefiro as flores porque elas refletem as coisas que eu mais gosto. Não a grandiosidade de uma declaração encenada, mas a simplicidade de um "eu te amo" que não se conseguiu conter...
Não a supremacia de um presente engastado em significações, mas a leveza de uma carícia ou de um sorriso como agradecimento.
Não o gestual de uma demonstração de carinho esplêndida, mas um beijo roubado em um banco na beira de um rio.

As flores representam as coisas simples nas quais o amor reside. E essas coisas acontecem, nos alegram, e terminam.
A magia do Amor, tal como das flores, é saber que a beleza efêmera se esvaí, apenas para dar lugar a outra maior...

Eu prefiro as flores... E prefiro aquelas que são cor de rosa...

07 fevereiro 2011

A Masmorra De Krohm [Final]

Sabia que tentar aproximar-se do adversário seria tolice, visto que o mesmo poderia atacá-lo de diversos meios. Por isso, ele percebeu que deveria entrar e sair de seu raio de ação o mais rápido possível. Quando viu o monstro esmurrar o chão com a cauda e o impacto causado pelo golpe, o plano articulou-se em sua mente. Era arriscado, mas Kael confiava em sua cota metálica, que tantas vezes o salvara durante uma batalha. Ele ergueu-se e empunhou a espada em chamas, pensando em como atacar seu adversário. Retomar sua arma era uma coisa. Agora, causar danos ao monstro seria uma nova questão totalmente diferente. Sabia que o monstro era vulnerável às chamas mágicas de sua arma. Mas ainda assim, ele parecia resistente o bastante para prolongar a batalha por um bom tempo. E se isso era uma preocupação antes, o fato de poder ser abatido por um único sopro de fogo, essa preocupação permanecia. Sua cota metálica era excelente contra danos físicos, mas contra as labaredas infernais do Krohm, nada poderia fazer.

O monstro, irado pelo ferimento em sua pata, avançou contra o cavaleiro, pela primeira vez no combate. Era lento, devido ao seu peso, mas ainda assim, tinha um grande raio de ação. Seus braços, mais longos que os de um humano normal, agitavam as garras a frente do corpo, enquanto sua cauda chicoteava a área às suas costas. E a bocarra continuava escancarada, preparando-se para lançar nova onda de labaredas mortais. Kael avaliou sua situação: o monstro era praticamente inatingível em combate corpo a corpo, e estaria preparado para uma nova investida suicida como a que o cavaleiro empregara a pouco. O guerreiro não dispunha de nenhum ataque à distância, nem havia muito espaço para que conseguisse se manter fora do alcance da fera por muito tempo. Não havia muita saída, ele precisava encontrar uma brecha entre os ataques do monstro e finalizar a luta o quanto antes. Decidiu investir também. Correu até o demônio e, ao se aproximar, aparou o primeiro de seus ataques com o escudo. A pancada fez reverberar o escudo, juntamente com os ossos de seu braço e, finalmente o corpo todo. Os tremores enfraqueceram seus joelhos, fazendo o cair sobre um deles. Porém, não sofrera nenhum dano sério. Mas a outra mão do monstro vinha agora em direção ao seu rosto. Balanceando o corpo, agitou a espada no ar, golpeando o punho da besta, tentando decepar sua mão. Mas o couro do monstro era mais resistente do que parecia, e o guerreiro não conseguiu trespassar-lhe o membro, ficando sua espada encravada no osso do braço da fera. O fogo na lâmina queimou a carne da criatura, levando-a a um frenesi de dor e fúria. Urrando, ela desceu a cabeçorra contra o corpo do guerreiro. Ele sabia que se fosse alvejado por um jato de chamas, neste instante, estaria liquidado, mas o monstro, tomado pela fúria, esqueceu-se desta possibilidade e investiu tentando morder o adversário. Àquela distância, Kael nada pôde fazer, e as presas do monstro ferraram-se em seu ombro direito. Mesmo sob a proteção da armadura mágica, a dor do aperto fez o guerreiro tontear. O monstro, tentava rasgar-lhe a cota metálica, mastigando e pressionando com a mandíbula, mas sem sucesso.
Kael viu-se encurralado. Com a espada presa ao corpo do monstro e as presas do mesmo ferradas em seu ombro, ele não tinha escapatória. Precisava agir rápido para livrar-se daquela situação. Com o braço esquerdo, empurrou a pata do monstro que aparara num primeiro momento, livrando assim o escudo. Então, bateu com o escudo no peito do monstro, tentando enfraquecer seu aperto. A fera ignorou completamente o ataque, parecendo não dar importância à pancada. O guerreiro tornou a tentar, mas nada parecia ter efeito. Então, ele tentou soltar a espada, mas ela ainda estava presa firmemente ao punho do seu adversário. Sem mais alternativas, ele decidiu partir para uma tática suja, porém eficiente. Soltou o cabo da espada, que imediatamente perdeu suas chamas e, erguendo a mão, atacou os olhos do monstro.

Com uma estocada perfeita, o guerreiro acertou em cheio o olho direito do monstro, fazendo-o urrar de dor novamente. Enquanto o monstro berrava, afrouxou a mandíbula no ombro do cavaleiro, permitindo assim que o rapaz empurrasse-o para longe, com o escudo. Mas Kael não abandonou a carga. Conseguira uma importante vantagem, e não deixaria-a passar sem aproveitá-la ao máximo. Enquanto o monstro cambaleava para trás, o cavaleiro correu até ele, agarrou o cabo da espada e, com o escudo, enganchou a ponta da lâmina. Então, apoiando a bota no corpo do animal, ele puxou a espada com todas as forças. O monstro tornou a berrar de dor, quando a lâmina incandescente atravessou sua carne e decepou seu punho direito. Kael caiu para trás, tentando livrar-se das tiras de couro do escudo, que derretia rapidamente sob o efeito das chamas mágicas da Fênix. Livrando-se da proteção desgastada, o cavaleiro ergueu-se. O monstro, ainda se retorcia de agonia, o pulso ferido vertendo sangue verde. Ainda havia a possibilidade de um ataque, e Kael resolveu fazê-lo. Correu novamente até o monstro, pronto para perfurá-lo com sua espada. Mas desta vez o demônio estava preparado, contra-atacando com sua cauda. O cavaleiro precisou fazer uma complicada manobra para desviar-se do ataque, mas a oportunidade não foi perdida. Enquanto rolou para a esquerda, a cauda do monstro esticou-se ao seu lado, e o guerreiro, brandindo sua espada, amputou-a também. Enquanto o toco decepado convulsionava-se e o sangue viscoso espirrava por todos os lados da caverna, o monstro tornou a lançar mão de seu bafo de fogo. Porém, tão aturdido estava, a criatura disparou seu bafo quente para o alto, acertando o teto da caverna. Enquanto a pedra do teto derretia e pingava novamente no chão, Kael afastava-se da besta enfurecida, esquivando-se da pedra derretida que vertia para o chão. Com a torrente de flamas que queimava a pedra, o cavaleiro pode vislumbrar todo o interior da caverna. Ao longe, do lado de onde o monstro viera, era possível visualizar uma escadaria. Provavelmente ele poderia retornar ao calabouço por lá. Mas, antes de qualquer coisa, precisava terminar sua missão.

A pedra derretida que escorria do teto respingava no monstro, queimando sua pele escamada. A besta, contudo, não parecia se importar. Manteve as chamas por mais alguns instantes, para então cessá-las. O teto da caverna começou a ruir, mas o monstro não parecia inclinado a sair de onde estava. Kael percebeu que não teria necessidade de finalizar a luta, pois o monstro seria soterrado pelas pedras que viriam abaixo. Então, ele correu até onde ficara a mão decepada do monstro e agarrou-a. Com a espada, arrancou uma das garras da fera, jogando então a pata inutilizada para longe. Quando a primeira rocha caiu, o guerreiro esquivou-se em direção à escada. No meio da ruína, o Krohm rugiu, furioso, fitando com seu olho bom o cavaleiro. Então, outro fragmento do teto da caverna se desprendeu, este gigantesco, caindo entre o cavaleiro e a fera, selando a criatura no interior da terra. Kael correu escada acima, esquivando-se de uma ou outra rocha que caía em seu caminho. Alcançou a masmorra e, ouvindo os barulhos de trituração lá debaixo, percebeu que a caverna desmoronara por completo. Usou as chamas da espada para iluminar a escada e pôde ver que seus primeiros degraus estavam agora cobertos de pedras. O caminho para a caverna do Krohm estava selado. O monstro, derrotado.

Sabendo que sua missão estava encerrada, o cavaleiro saiu da masmorra, sem maiores dificuldades. Quando finalmente alcançou a superfície, percebeu que era noite. As Luas de Elehndor iluminavam o firmamento, uma de cada lado do céu. Respirando o ar puro da floresta, Kael sorriu, felicitando-se por ter terminado a missão. Sem mais, repôs a espada em sua bainha e partiu em direção à cidade, pronto para cobrar a recompensa por seus serviços.

Nas entranhas da terra, em meio a inúmeras rochas derretidas, um ponto de luz iluminava o completo breu. Uma criatura segurava, entre as garras de sua única mão, um escudo derretido e deformado, enquanto fungava sobre as correias de couro que o antigo proprietário do aparato usava para fixá-lo em seu braço. Guardando o odor de seu rival, o Krohm grunhiu, enquanto adormecia, esperando recuperar-se. O que as lendas antigas mais relatavam acerca desta raça de demônios, era o quão vingativos eles poderiam ser...


06 fevereiro 2011

A Masmorra De Krohm [2]

O cavaleiro pôs-se alerta, erguendo o escudo a fim de defender-se. Virou-se para o lado de onde o ruído parecia ter vindo e esperou. Não havia nenhum novo barulho, nem nada. Os segundos se arrastaram, ele sentia o coração martelando no peito. Adorava estas missões perigosas, de combate, mas via-se agora em uma enrascada assustadora. Não conseguia enxergar nada, estava desarmado e ainda não sabia contra o que lutava. A situação não poderia ser pior.
Então, outro ruído ecoou pelo lugar. Algo pesado triturando pedras. Poderia ser um passo, mas...
Novamente. Os passos se seguiram, vindo de um ponto distante da caverna. Kael continuava em sua posição defensiva, os olhos abertos no breu, tentando vislumbrar algum sinal do seu opositor. De repente, uma luz emergiu da completa escuridão. Ou melhor, um par delas. Dois pontos luminosos surgiram na distância, próximos um do outro, flutuando no ar, uns dois metros acima do chão. Ou de onde o cavaleiro supunha estar o chão. Os pontos de luz vinham em sua direção, vagarosa mas inegavelmente. E então ele notou, estupefato, que aqueles não eram simples pontos de luz. Eram olhos.

Enquanto a criatura portadora daquele parte de olhos luminosos se aproximava, Kael percebia que ela era maior do que ele imaginara. "Preciso da minha espada", sentenciou. Mas, antes disso, precisava fugir de seu oponente. Distanciar-se dele até recobrar sua arma. O barulho do triturar causado pelos passos do monstro aumentava, conforme ele se aproximava. Aproveitando-se disso, o cavaleiro resolveu dar alguns passos para o lado, tentando evitar a criatura. Mas sua empreitada não foi feliz. Assim que movera a primeira perna, ele notou que os olhos da criatura estavam fixos nele, acompanhando-o atentamente. Ele já havia sido flagrado. E não poderia fugir. Então, se a fuga não era uma opção, precisava de sua arma. O quanto antes. Deu alguns passos para trás, ainda com o escudo a sua frente. A criatura não parecia acelerar o passo, apenas continuava a caminhar e fitá-lo. E então, quando ele acreditava não haver mais saída para sua situação, eis que a Deusa da Sorte lhe sorriu. Em um dos passos do monstro, o ruído do triturar das pedras foi substituído pelo tilintar do metal chocando-se com as pedras. O cavaleiro sorriu. Lá estava sua vitória. Só precisava correr em direção ao monstro, então, apoderar-se novamente de sua arma. E foi o que ele fez, sem sequer planejar bem a ação. Nunca fora dado a estratagemas, seu campo era mesmo o das batalhas.

Correu pela caverna, chutando as pedras em seu caminho, guiando-se unicamente pelos olhos do monstro diante de si. O monstro, percebendo a carga, parou abruptamente. E então, algo aconteceu. Logo abaixo dos olhos, outra emanação de luz surgiu. Esta bruxuleava, como o crepitar de uma chama. E era exatamente isso que acontecia. A criatura escancarara sua bocarra e, em seu interior, chamas mágicas começavam a avolumar-se, prontas a serem expelidas na direção do inimigo. Kael entendeu o que estava por acontecer uma fração de segundos antes de ser alvejado. No momento em que o monstro soprou as chamas mortais, o cavaleiro estava preparado, e rolou para o lado. O ar da caverna ficou quente, devido ao poder da língua de fogo. Porém, a parte alarmante foi a visão que as chamas propiciaram. O monstro, iluminado momentaneamente pelo fogo, ficou visível para o cavaleiro, que sobressaltou-se ao reconhecer o que era seu oponente.

Das lendas antigas, dos tempos da Primeira Guerra das Trevas, ouvia-se falar de um demônio dominador do fogo, conhecido por Krohm. Era uma criatura voraz, que vivia unicamente para a destruição. O corpanzil era humano, porém massivo, de pele esverdeada e recoberta de escamas endurecidas, que lhe conferiam uma resistência considerável. Possuia uma cauda bifurcada e móvel, tão ágil quando uma cobra, cada terminação encerrando-se em um poderoso arpão. A cabeça, porém, era a parte realmente assustadora. Deformada, era redonda e desproporcional, recoberta de chifres, dotada de dois enormes olhos com íris em chamas. A boca era grotesca, repleta de dentes dispares e sempre pronta a despejar suas labaredas infernais em suas vítimas. O monstro, como se sabia, gostava de habitar locais ermos, onde pudesse esconder-se e devorar suas presas. Alimentava-se de qualquer coisa que encontrasse, de animais à humanos.

Assim que o monstro terminara de lançar suas chamas, a caverna estava menos escura. As pedras, que agora Kael notara, não eram pedras, mas sim ossos, estavam agora em chamas, crepitando fracamente, produzindo uma pequena claridade. Com a possibilidade de visualizar seu oponente, o cavaleiro sentiu a vontade de lutar renovada. Mas ainda precisava da espada. E esta estava presa sob a pata garrada do monstro. Chegar perto seria um problema por duas razões: o fogo que o monstro cuspiria de suas entranhas, e a cauda mortal que ele agitava ferozmente. Mas o cavaleiro precisava tentar. Poderia ser acossado ao tentar pegar a espada, mas sem ela, seria derrotado pelo cansaço. Conseguira esquivar-se do primeiro ataque, mas, mais cedo ou mais tarde, acabaria por certo alvejado pelas chamas. Enquanto o cavaleiro ainda pensava, o monstro reabriu a bocarra e lançou-lhe outra leva de chamas infernais. Kael rolou para o lado, evitando novamente o ataque. O ar começava a escassear naquela parte da caverna, e o cavaleiro percebeu que precisava sair dali. A escuridão, porém, ainda imperava na região ao redor de onde estavam, e ele temia sair dali e perder-se novamente. Precisava da espada.

O monstro voltou a grunhir, meneando a cabeça e chicoteando o chão atrás de si com a cauda. O movimento lançou inúmeros ossos ao ar. Vendo a cena, Kael teve uma ideia. Ousada. E que provavelmente daria errado. Mas ainda assim... A criatura lançou nova torrente de chamas, e então o guerreiro colocou em prática seu plano. Esquivou-se do jato escaldante com um rolamento para a direita e então correu em direção à espada. Antes que as chamas tivessem se extinguido, o guerreiro rolou novamente e levou a mão a empunhadura da arma, fazendo com que a lâmina da mesma fosse envolta em chamas. As labaredas mágicas fustigaram a pele da criatura nefanda, fazendo-a urrar de dor. Em uma tentativa desesperada de livrar-se da aflição, o monstro chicoteou a cauda contra o cavaleiro que acossava-o. O ataque foi certeiro, e as duas pontas agudas da cauda atingiriam o peito do oponente. Mas Kael esperava por aquele ataque. Erguendo o escudo no momento exato, o guerreiro aparou o ataque da besta. As setas na ponta bifurcada da cauda não infligiram dano ao seu corpo, mas o impacto massivo do ataque lançou-o longe, até chocar-se contra a parede rochosa. A pancada contra as pedras da caverna nada lhe fizeram, devido a proteção de sua armadura. Ao escorregar para o chão, o guerreiro sorriu, agora que empunhava sua Fênix novamente. Sua tática dera certo.


Continua.

05 fevereiro 2011

A Masmorra De Krohm

Não havia luz, Kael percebera.
No início, enquanto ainda tentava recobrar o controle sobre si mesmo, ele questionava-se se podia confiar em seus sentidos. Talvez estivesse tonto o bastante para não perceber que estava de olhos fechados. Talvez tivesse os olhos cobertos e o torpor não lhe permitisse sentir. Mas a estupefação passou e a escuridão permaneceu. Respirou fundo, a fim de se acalmar. Arregalava os olhos na escuridão, mas nada se materializava em seu campo de visão. Tentou levar a mão esquerda ao rosto, mas o movimento foi detido por algo que pesava sobre seu braço: o escudo. Recalculou o movimento e, desta vez, conseguiu mover o braço. Sentiu-se reconfortado por perceber que ainda estava com seu escudo, mas logo essa percepção deu lugar a outra muito menos auspiciosa: sua mão direita nada segurava.

Ele estava de bruços. Ergueu-se com certa dificuldade, as costas e as pernas doendo, por causa da queda, supunha ele. Não lembrava-se de cair, mas, parecia-lhe a única explicação plausível para seu aparecimento em tão ermo lugar. Pôs-se de joelhos, o metal das botas machucando sua pele. Tateou o chão ao seu redor, mas não havia sinal de sua espada. O chão do local onde estava parecia rígido ao toque, tal como rocha. Uma caverna. E era também coberto por pedras estranhamente leves, para o seu tamanho.
Procurou pela espada, às cegas, por mais alguns instantes, mesmo sem muitas esperanças de encontrá-la. Sabia que, para sair dali, seja lá onde "ali" fosse, ele precisava da espada. As fitas de couro do escudo feriam seu braço, mas ele temia soltar a proteção e, caso precisasse, não conseguisse encontrá-lo novamente.

Levou a mão livre à cabeça. O contato de suas luvas com o cabelo acusou-lhe a ausência do elmo. O peso nos ombros, contudo, era prova de que sua cota metálica continuava onde deveria. Cair, de onde quer que ele tenha caído, poderia ter sido fatal, não fosse a armadura. Banhada nas águas sagradas do Lado de Azkrihar, sua armadura era capaz de absorver grande parte dos danos físicos por ele recebidos. Não diferenciava-se de uma armadura normal quando se tratava de um ataque mágico, contudo, o que fazia dela uma vestimenta invejável, mas não definitiva. Seu portador ainda precisava ser cuidadoso quando em uma batalha. Kael, pelo visto, não o fora. Lembrava-se da missão. Do caminho percorrido. De entrar na masmorra. E então, escuridão.

Sua missão era notavelmente perigosa: limpar a antiga masmorra de um castelo recém adquirido por um nobre medroso. A fama do lugar não era das melhores. Pessoas e animais da região sumiam, para que, semanas depois, os restos de seus corpos fossem encontrados na entrada da masmorra. Isso quando reapareciam. Ninguém jamais sobrevivera para contar o que havia naquele calabouço amaldiçoado.
Kael recebera uma ordem específica: mate qualquer coisa que houver por lá. Missões de extermínio eram as suas favoritas. Gostava do calor da batalha, do retinir de sua Fênix em contato com armas e corpos adversários. Mas esta missão não apresentara dificuldade alguma. Desde que entrara na masmorra, só encontrara um ou outro cadáver mutilado. Restos de animais, espadas tomadas pela ferrugem, armaduras inutilizadas por garras ou presas poderosíssimas. Mas nenhum sinal do causador de todo esse estrago. Nenhum ruído, nenhum movimento. Tudo calmo. Tão calmo, que fez com que os apurados instintos do cavaleiro falhassem. E foi aí que ele foi emboscadoa.

Caminhava vagarosamente pelo corredor sujo do calabouço, a espada mágica em punho, chamas douradas bruxuleando ao redor da lâmina. Sua espada, Fênix, havia pertencido a um elfo que Kael derrotara tempos atrás. Pela vitória, ele tomou a arma mágica para si. Poderia passar-se por uma espada longa comum, não fosse o fato de que, sempre que era empunhada, sua lâmina era envolta por uma camada de chamas douradas, capazes de infligir grandes danos ao corpo dos adversários feridos por ela.
A luz proveniente das chamas da espada iluminavam o caminho, por onde o cavaleiro passava. Portava o escudo ereto, pronto para defender-se de qualquer investida da qual pudesse ser alvo. O corredor era de pedra polida, apesar da sujeira nas paredes. Longas manchas escuras, talvez de sangue ressecado, cobriam todo o local. Nas paredes, os archotes apagados passavam a sensação de abandono do local. Kael observava tudo aquilo sem se preocupar muito. Já passara por inúmeros corredores e nada vira. Começava a ter certeza de que não havia com o que se preocupar quando pisou em algo que fez com que seus sentidos disparassem. Enquanto a pedra afundava sob seu peso, o cavaleiro ouviu o barulho de engrenagens funcionando. E então, algo voou em sua direção. Jogando-se para o lado, em um rolamento desajeitado, ele conseguiu desviar-se do projétil. Mas seu pulo de sopetão levou-o diretamente a outra armadilha, desta vez, ainda mais perversa. Assim que encostou-se na parede, uma maça desceu do teto, chocando-se violentamente com seu rosto. E então, o silêncio.

A ausência do capacete agora parecia fazer sentido. Provavelmente a pancada empurrara-o para alguma armadilha, algum alçapão que o lançara nesta caverna escura onde agora estava. Esticou as costas, tentando recobrar-se por completo. Precisava da espada para conseguir se encontrar, mas precisava de iluminação para encontrar a arma. Estava em maus lençóis. "Pelo menos", pensou ele, "estou sozinho aqui." Como resposta, veio de algum lugar próximo um grunhido de enregelar os ossos.


Continua...

03 fevereiro 2011

É engraçado...

É engraçado com o mundo dá voltas e você simplesmente não percebe...

Como as coisas mudam e você nem sente.

É engraçado como você deseja algo a vida toda e, de repente, está diante de você, sem aviso.

Como quando você deseja uma paixão. Algo que seja diferente. Que seja maior. Significativo. Único.
E você deseja tanto, que passa a se enganar. Passa a ver em qualquer broto, uma flor, em qualquer poça d'água, um lago.

Em qualquer sorriso, um amor...

E então, você se engana, se ilude a tal ponto, que acredita que realmente encontrou o que procurava.
E você mergulha no sentimento inexistente. Você quer aproveitar aquilo, mesmo sabendo que, lá no fundo, é só uma miragem.

E o que acontece quando se mergulha num riacho muito raso? Você bate de cara no chão.

E aí a confiança acaba. E acaba a coragem pra se jogar. E a vontade de procurar. E então, você se fecha. Com medo. Isolado. Sozinho.
Mas ainda assim... lá no fundo... desejando encontrar algo diferente. Significativo. Único.

E a parte engraçada é essa. Quando você decide que desistiu. E resolve afogar as suas esperanças. Resolve que acabou. Que nada vai acontecer, que nada daquilo existe pra você. E que a vida é só o que há aí.
É nessa hora que a vida vira o jogo. Que você, já sem esperanças, caminhando só por instinto, só pela sensação de arrastar os pés no chão, resolve fazer algo diferente.

Algo diferente, que muda sua vida pra sempre.
Como o cara que detestava caravanas. E pessoas no geral. Mas resolve, um dia, ir para um evento em uma delas.
Não por acreditar em algo diferente. Apenas pra sentir que não está parado. E esse cara, já sem esperanças, move os pézinhos, um após o outro, mesmo sem vontade ou fé, e entra naquela van. Com o sentimento de nojo estampado no rosto. Se culpando por se expor ao que, provavelmente, seria mais uma experiência ruim. Se preparando para mais um dia que o faria perceber o quão deslocado do mundo ele é.

Mas ele entra na van. E percebe que lá está, senhoras e senhores, aquela por quem ele esperou a vida toda.


Dizem que não existe amor à primeira vista. Bom... eu concordo. À primeira vista, o que há é interesse. Como o cara que entrou na van e, no meio de um bando de crianças aleatórias, vislumbra uma garota tímida, de fulgurantes cabelos roxos. Que no início lhe parecem azuís, confesso.
Ele entra na van sem esperar encontrar algo diferente. Mas encontra. E todo o seu planejamento, de ler um livro durante a viagem, cai por terra. E aí a mente já se perde completamente.

"Cabelos azuís? Isso é sério?"

E vem o choque. E aquela velha sensação que há tanto ele vinha tentando afogar. "Atração". Não do tipo instintivo. Não do tipo vulgar. Uma atração ingênua, boba. "Ela tem cabelos azuís? Que... legal!" E a vontade de falar com ela. E o sentimento do coração batendo de novo. Os sentimentos no geral.

É engraçado como o coração, mesmo depois de tanto tempo sem uso, ainda sabe o momento certo de perder o ritmo. Como quando ela responde. Ou quando encara-o com aquela expressão mista de timidez e interesse. E ele sente o impulso de estar perto dela. Mesmo sem entender o porquê. Mesmo sem justificar. Ele só quer estar com ela. Porque ela é... diferente?

O dia passa, eles se despedem. Ela não demonstra interesse. E aí a história acaba.
E ele pensa: "não sei nem o nome dela. Pena, era uma garota legal".

É engraçado como o tempo passa, e as pessoas que importam, voltam pro nosso caminho. Como ela voltou. Tudo bem que ele teve que correr atrás, mas ainda assim. Lá estava ela de novo. E de novo, sem lhe dar atenção.
Mas ele ainda sentia aquele interesse. E o interesse só aumentava. A cada frase dela, cada palavra, ele via mais e mais que ali estava o que ele procurava. E ele, contrariando sua natureza auto-protetora, continuou insistindo. Indo contra o que ele jurara fazer, expondo de novo seu coração repleto de cicatrizes, ele continuou tentando.

E o tempo passou. E ela percebeu. Percebeu o que ele já sabia. Percebeu o que ela já entendia. Percebeu o que estava escrito: Que ele era o que ela sempre quisera.
E ela relutou. Por ter suas próprias cicatrizes. Por também saber o que significava sofrer. Ela tinha medo. Receava se ferir novamente. E então hesitou. Hesitou e pensou. Pensou e decidiu. Decidiu e prometeu: ela iria esperar.

Só que o esperar dela deixava-o com medo. E ele temia ver a história se repetir. Temia estar, de novo, vendo uma flor onde não havia.

E mais tempo se passou. Até que o que eles sentiam já não se continha. Até que a verdade já lhes estivesse exposta. O medo foi sendo sobrepujado pela confiança. Confiança e certeza. A certeza de que um tinha no outro o que sempre quisera.

É engraçado que os dois ainda hesitavam, mesmo diante do maior sonho que já haviam sido capazes de sonhar. E eles hesitaram. Por medo. Mas por prazer. De prolongar a espera. De ver crescer o sentimento. De sentir o gostinho agri-doce da paixão não revelada. E eles esperaram. Esperaram para ter o que ansiavam por toda a vida. Aquilo pelo qual se guardaram. Aquilo no que acreditavam.

Até que chegou aquela noite. Onde os sentimentos irromperam a barreira do medo. Naquela noite, quando o céu escuro vestia-se de inúmeras nuvens cinzentas e a Lua espiava de sua morava enevoada, eles venceram o caminho entre um e outro. E se encontraram. Primeiro as mãos. Num toque suave, porém abrasador. Um gesto simples, mas que significava tudo. Confiança, certeza, compreensão.
Amor.
Então o beijo. Aguardado, guardado. Singelo, desajeitado, trôpego.

É engraçado que, nenhum dos dois tenha sentido, naquela noite, o que haviam acabado de conseguir. É engraçado que agora o tempo passe e eles ainda se sintam como naquela primeira noite. A saudade, a vontade de estar perto, a necessidade de segurar a mão. E a inocência de quem ama simplesmente por amar, sem pensar no que significa ou poderá significar.

Mas o engraçado mesmo, é que tudo isso só aconteceu, porque ambos fizeram coisas das quais tinham plena certeza que se arrependeriam. Ela, pintou o cabelo. Ele, entrou naquela van.

É engraçado o que o destino, ou Deus, ou o Batman, ou seja lá no que você acredita, reserva para nós. Ou como não há nada reservado, e as coisas simplesmente acontecem.
É engraçado que eles tenham se encontrado. E encontrado um no outro, o que procuravam.

É engraçado que... já não precisem mais procurar. Que eles estão juntos. E agora é só viver.

É engraçado que... o cara que jurou parar de escrever sobre isso, esteja fazendo-o. Confessando o que sente.

É engraçado que eu não saiba como terminar esse post... Não sei como fechar essa história.
Mas pensando bem, ela mal começou. Como então terminá-la? Deixemos em aberto.

É engraçado você não conseguir vislumbrar um final pra melhor história que já viveu.
Por não querer que ela acabe? Engraçado...

21 janeiro 2011

Mas, porém, todavia, contudo. E se...

- Você devia falar. - Sentenciou a Voz da Consciência.

- Mas... - A jovem murmurou.

- "Mas" nada. Você devia falar. Sabe que é o certo.

- Mas... e se ele entender errado? - A garota brincava com os dedos, tímida.

- Não há o que entender errado. O que você vai dizer é simples e direto. Vá logo até ele e diga o que deve dizer. - A Voz da Consciência foi firme.

- Mas... e se ele ficar bravo? - A garota hesitava.

- Bravo? Por você ser sincera? Não há porquê isso acontecer.

- Claro que há! Quero dizer... e se ele for tímido..? - Agora a garota enrolava o cabelo.

- Bom, talvez ele fique com um pouco de vergonha, mas isso é algo inevitável. Afinal, essa é uma situação... bem... complexa.

- Então... - A garota tentava de todas as formas convencer-se de que o correto seria guardar para si o que desejava falar. - Se eu vou deixá-lo envergonhado, não há por que falar. Ele não precisa ficar sabendo.

- Lógico que precisa! - A Voz da Consciência, contudo, era irredutível. - Você não pode simplesmente deixar essa situação passar. Você precisa tomar uma atitude. Caso contrário, você irá se arrepender para sempre. Creia-me. Eu mesma é que te lembrarei todos os dias do erro que foi não ter falado.

-Mas... depois de falar isso... ele vai perceber que eu havia notado desde o início.... e que eu vinha pensando nisso esse tempo todo... - A voz da garota falhava, pois ela sabia que seria convencida pela Consciência. Mas ainda assim, continuou tentando. - E se ele não quiser olhar pra minha cara depois de eu falar? E se ele me achar uma maluca por não ter falado nada antes?

- Isso pode acontecer. - A Voz esperou. Quando a garota abriu a boca para argumentar, porém, ela retomou seu raciocínio. - Mas pode não acontecer. Ele pode entender que você teve vergonha de dizer antes. Conhece o Gato de Schrödinger? Ele pode estar vivo ou morto. Só abrindo a caixa pra saber...

- Sim, mas... e se essa for uma "Caixa de Pandora"? - A Voz da Consciência riu. Mas riu tanto, mas tanto, que fez a própria garota rir. E ela riu alto. Tão alto que chamou a atenção de todos no trem. De todos, incluindo o rapaz sobre quem ela tinha tão animosa discussão mental. O jovem encarou a garota que, ela levou alguns instantes para perceber, encarava-o de volta e sorria timidamente.
Ela sabia que aquele sorriso tímido era resultado de sua confusão interna, da soma de sua Consciência, que gargalhava freneticamente, com o seu eu consciente, que queria chorar de vergonha. Mas o rapaz não sabia. Para ele, aquilo era só um sorriso tímido, endereçado a ele por uma garota tímida, que não parava de fitá-lo.

- Ah droga, ele me notou. Obrigada pelo rompante, Consciência. - A garota resmungou, enquanto a Consciência limpava as lágrimas hipotéticas de seus olhos imaginários. "Pandora", ela murmurava e ria. - E agora? Se ele vier aqui, o que eu faço?

- Você fala o que deve, oras. - A Voz respirou fundo, para se acalmar. Só que respirou pela boca da garota, o que fez com que ela, para todos os efeitos, suspirasse. "Todos os efeitos" incluía o jovem. Ele flagrou o suspiro e, então, tomou coragem. E foi até a garota.

- Ah Deus! - A garota gritou subconscientemente. A Consciência pôs as mãos nos ouvidos hipotéticos. - E agora? Eu tenho que falar. Mas... e se ele não quiser?

- Se ele não quiser, ele é pirado. Mas não adianta mais hesitar. Ele chegou. Fale!

- Ahn... - Disse a garota.

- Oi. - Disse o rapaz, sorridente.

- Fala logo! - Gritou a Consciência.

- Ehrm... - Falou... ou melhor, "não falou" a garota.

- Tudo bem? - Continuou o rapaz.

- Anda logo. Fala! Medrosa! - A Consciência esperniou.

- AAAh! - A garota surtou.

- Eu vi você me encarando e... - O rapaz tentou.

- Agora! - Berrou a Consciência, o mais alto subconscientemente que pôde.

- Tá bom! - Berrou de volta a garota. Só que ela berrou em voz alta. Ela, surtada, nem percebeu o silêncio no interior do trem, devido ao seu rompante, e gritou de novo, para o rapaz. - Eu falo! O zíper da sua calça está aberto! Está aberto o tempo todo! Desde que eu entrei. É isso! Está aberto!

Silêncio sepulcral no vagão. O garoto, semi congelado de susto, baixou o rosto e viu que era verdade. Fechou o zíper da calça, deu meia volta e foi para o canto, entrar em combustão expontânea.
A garota nem se moveu. Entrou em combustão espontânea ali mesmo. A Consciência murmurou um "eu te avisei" e foi para o seu canto, ainda rindo.

Morais da história:

1 -> Saia da sombra do "E se..." e fale logo! Antes que você surte.
2 -> Se alguém ficar te encarando, certifique-se que não é por algum motivo embaraçoso, antes de começar a pensar que você é o tal.
3 -> Não perca tempo discutindo com a sua Consciência. No fim das contas, ela sempre tem razão.
4 -> Confira se seu zíper está realmente fechado.

Boa viagem.

18 janeiro 2011

O Dia, a Camisa, o Medo, O Caderno e afins...

O dia de hoje foi um dos mais estranhos da minha vida. E não por fatores externos. Acho que dois parafusos se soltaram na minha cabeça, e agora ficam lá, fazendo barulho, tirando a minha atenção, me deixando bobalhão.
Mas bobalhão mesmo. Quando no caminho pro trabalho, pela manhã, eu tropecei numa lixeira e pedi desculpas. Varias foras as vezes durante o dia em que alguém me disse: "tá viajando longe, hein?" Não sei... Minha mente parece estar em um lugar completamente diferente. E eu não sei onde é. Ou... será que sei?


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Eu não consigo não rir das reações das pessoas frente às minhas camisas. E olha que hoje eu tava com aquela do "Game Over", que, convenhamos, já é lugar comum...
Mas é engraçado. Sempre tem um cara pra dizer "haha, que foda", ou uma mulher pra dizer "ai, que tosco". Ou, como disse uma senhora hoje: "tu só usa essas coisas aí porque é solteiro. Quando namorar, vai andar por aí com camisas de juras de amor eterno." Bom, da segunda parte eu não duvido, visto que eu, quando apaixonado, sou um babaquinha completo. Agora, da primeira parte, eu dei risada. Por ser verdadeira, confesso. Mas também, por não me parecer possível que eu venha a namorar uma garota que vá ligar pra uma bobagem dessas. Vai saber...
Azarado do jeito que eu sou, é bem provável que nós jamais venhamos a saber a resposta...

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Um dos parafusos que se soltou na minha mente foi o do Medo. Medo, Receio, Preocupação, sei lá. Mas é algo nesse sentido. De ter passado do ponto. De ter feito algo que, provavelmente, vá me custar muito caro no futuro. Medo de ter repetido os erros do passado.
Apesar de tudo, este não é o parafuso que mais faz barulho. O outro é pior. Mas o Medo ainda tem a sua cota de estorvo. Complexo...
Do outro parafuso eu prefiro não falar. Mas... seria legal se ele continuasse a fazer barulho por um bom tempo...

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O último final de semana me deixou mal acostumado em vários sentidos: Dormir fora de hora. Não fazer uma refeição decente no dia. Tomar sorvete em grandes quantidades. E, o melhor, ou pior, ou mais preocupante, ou mais estranho de todos, ter companhia. O último é engraçado porque... você passa a vida toda "forever alone" e mal percebe. Então, um dia, de repente, surge alguém com quem você simplesmente quer estar o tempo todo.
Não entendo...

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Hoje eu arranquei a última página do meu caderno. "Grande coisa!" É, eu sei... É que... Nela estava escrita uma palavra que eu simplesmente não conseguia deixar pra lá. Não a palavra, mas o que ela representava. E hoje, enquanto escrevendo no caderno, e pensando, e reescrevendo, e rabiscando, e repensando, e viajando, e riscando tudo, eu percebi que aquela palavra já não significa nada de bom pra mim. Talvez nunca tenha significado nada bom, só coisas ruins. Mas ainda assim, eu gostava de vê-la ali. E hoje eu percebi que, talvez seja a coisa sensata a sentir, eu sinto raiva dela.
Da palavra. E do que ela representa. Sinto raiva sim. Por tudo o que ela fez. Ou, no caso, deixou de fazer.

Sinto raiva.
Estranho.

Dia estranho, como eu disse. Merece uma postagem tão estranha quanto.
=3

16 janeiro 2011

Praia, Insônia e Afins

Não dormir durante a noite é sempre uma experiência estranha pra mim. Mesmo que, na realidade, eu tenha dormido alguns minutos ontem de noite, ainda assim, eu fico meio aéreo durante o dia, como que drogado, sei lá.
Durante o dia, enquanto eu não estava dormindo, estava viajando. Complicado. E daí, tu dorme o dia inteiro, praticamente, e chegando na noite seguinte, não sente o menor sono.
Isso é tudo o que você precisa pra acabar com o seu relógio biológico.
Mas, ainda assim, foi divertido...


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Praias, pra mim, são sempre muito melhores durante a noite. Primeiro, a ausência de todas as pessoas que poderiam estar fazendo algazarras. Você olha pros lados e não vê ninguém. Nem crianças fazendo fiasco, nem mulheres toscas semi-nuas, ou mesmo nuas, vai saber. Nem nenhuma dessas coisas ridículas as quais somos expostos se formos à praia durante o dia.
E tem outras coisas também: o silêncio. Tu fica ali, ouvindo o marulho e só. As ondas quebram, o vento assovia, e é isso aí. Dá pra ouvir os teus pensamentos como se eles estivessem sendo sussurrados nos teus ouvidos. Bacanérrimo.
Tem a névoa também. É estranho, mas a névoa é legal. Aquela mistura de maresia com chuva, sei lá... Embaça os óculos, engrola os cabelos, umedece as roupas. E a areia.
É legal.


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Uma das coisas que eu sempre quis fazer era passar uma noite em claro, só bistonteando pelo mundo. A ideia de ficar sem rumo durante a noite inteira, só andando pra cá e pra lá, sempre me soou bastante bacana.
E, de fato, é. Por mais fracote que se seja e que, passando da 1h da manhã já se esteja caíndo de sono, ainda assim, a aventura é o que importa. E daí tem a parte de dormir na rodoviária. Engraçado o quão retardado eu sou. Eu simplesmente deitei no banco e apaguei... O que seria bem legal pros ladrões/estupradores/whatevers, não fosse a minha companheira de indiada pra velar o meu sono.
No fim das contas, eu dormi duas vezes durante a noite, enquanto ela passou o tempo todo acordada. Ela até tentou, mas não dormiu. Acho que, afinal de contas, eu sou a donzela e ela é o cavaleiro na armadura brilhante.
Haha

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E, pra fechar essa postagem, eu queria dizer o quão legal é ter alguém com quem se pode fazer essas coisas idiotas sem ficar com vergonha, ou preocupado, ou com dor na consciência...
Amigos são interessantes, no fim das contas.

Acho que é isso. Vou jogar vídeo-game, já que o sono resolveu não dar as caras.


13 janeiro 2011

Coisas aleatórias

Abri a página do blog disposto a escrever alguma coisa. Qualquer coisa.
Mas, como vocês podem ver, estou sem a menor ideia acerca do que escrever.

O que pode ser um problema... Raramente eu consigo, da minha falta de criatividade, tirar algo excepcionalmente criativo, tal como o último post.

Aquilo é bem raro. Normalmente quando não se tem ideias sobre as quais escrever, você acaba não escrevendo. Ou, como estou fazendo agora, escrevendo merda.

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Hoje um "muleke piranha" esbarrou comigo na rua e, ao virar pra trás, gritou "qualé, playboy?" Acho que foi isso. Eu estava com os fones no máximo, não consegui ouvir direitinho. Mas ainda assim... Playboy? Eu?
Nerd eu aceito, na boa. Babaca... bom, vá lá, eu tenho cara. Otaku é mais difícil, mas ainda assim... a camisa do Final Fantasy VII talvez induzisse a isso. Emo... bom... têm gente que acha o meu tênis meio emo, então não seria surpresa.
Mas... Playboy? =O
O que fez com que o rapazinho me chamasse assim? A camisa social preta? Aberta e suja de pasta de dente? É, parece mesmo.
Ou foi a mochila do Evanescence? Ou foi o meu cabelo que mais parecia o campo de testes de uma bomba nuclear?
Nessa eu boiei, sinceramente...

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No ônibus, hoje, fui combado da maneira mais tensa possível: Lugar ruim, exposto ao sol, com uma gorda sentada do lado.

Não, nada contra as gordas. Tudo bem que elas ocupam um assento e meio no ônibus, mas ainda assim... Eu sou magrelo mesmo, ocupo meio assento, não tem problema. Mas a combinação estressa. O Sol me esquentando a orelha é complicado. E o lugar... Bom, eu e a minha estupidez, também. Sentar perto do banheiro do ônibus é pedir pra levar...
Enfim.
Não consegui dormir. Saco...


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Não sei escrever sobre coisas aleatórias. Na boa, não sei o que a minha mente faz o dia todo. Eu não presto atenção em absolutamente nada que acontece a minha volta. Mas não fico fantasiando nada com a minha imaginação. Cacete, o que a minha mente faz o dia todo? =O


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Ah sim, hoje, pela primeira vez, eu fiz uma criança rir.
Normalmente quando uma criança me encara, se eu faço qualquer coisa, ela chora.
Hoje, uma piá passou por mim e fez "=O". Daí eu fiz "=O" também e ela riu. Bacana. Achei que todas as crianças do mundo me odiassem. Haha

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Acho que por hoje é só, pessoal. xD

10 janeiro 2011

Título?

O Papel estava em seu lugar. Um caderno ligeiramente gasto, de páginas repletas de rugas. O ambiente era acolhedor. O Inverno fustigava as paragens lá fora, mas no interior da casa, especificamente naquela salinha, onde uma chama bruxuleante crepitava na lareira, sentia-se apenas um calor simpático. Na vitrola rodopiava um velho disco de sons da natureza, no momento reproduzindo uma pacata chuvinha de fim de tarde.

Tudo parecia perfeitamente normal naquele ambiente, cada um cumprindo a contento sua função. Tudo e todos. Exceto a Caneta. Parada sobre o Papel, imóvel, lá estava a caneta. Notória escritora, conhecida pela determinação com que começava uma história e não parava até tê-la terminado, era agora um suntuoso enfeite, empoleirada ereta sobre o Papel, a tinta plenamente disposta em sua ponta, porém sem nada produzir.
Mas é claro que a culpa não era da Caneta. Poucos sabiam, e mesmo estes fingiam não saber, mas a Caneta não tinha nada de genial. Era só um peão, trabalhando freneticamente na mão de um ser hierarquicamente mais importante. Literalmente.

Naquele instante, guiando a caneta, havia a Mão. Imponente, elegante, segurando a Caneta com maestria. Preparando-se para outro feito majestoso. Mas a Mão não era tão bem vista quanto a Caneta. Não, nunca lhe era dados créditos , mesmo os errôneos, tais como os endereçados a Caneta. A Mão era apenas mão de obra. Era um operário das grandes artes. Ela apenas seguia as ordens que a Imaginação lhe passava. Ou seguiria, caso houvessem ordens a seguir.
Mas aquela não era uma noite imaginativa para a Imaginação. Ela até esforçava-se, tentando sorver inspiração do mundinho onde agora estava. Mas nada parecia ocorrer-lher. Nenhuma ideia genial, Nem mesmo uma ideia simples que fosse. Não lhe vinha nada.

- Isso nunca me aconteceu. - Disse ela, desconcertada.
- Comigo já. -Rebateu a Mão, pomposa, com ar de quem sabe das coisas. - Naquela vez em que um dos seus amigos brilhantes aí de cima resolveu me ordenar esmurrar uma parede para descontar sua raiva.
- Eles devem achar que nós somos gladiadores. - Concordou a Outra Mão, que estava por ali, deitada, só observando a cena toda.
- Não sei... Não vou defender ninguém, pois não sou advogada nem ganho pra isso. Só quero minhas ideias de volta. - A Imaginação choramingava. A Caneta permanecia em silêncio, pois gostava de fazer o tipo "inanimada". O Papel, porém, não se fez de rogado.
- Eu costumo ouvir bastante. Mas acabo dizendo mais ainda. E, mesmo sendo tão falante, nunca fiquei sem ter o que dizer.
- Coisas diferentes, amigo. - A Caneta decidiu intervir. A verdade é que ela não suportava não opinar, por mais charme que isso lhe desse. Tinha que dar seu ponto, senão a conversa não teria graça. - Você fala sem parar. Mas quem é que te passa as ideias?
- Não é você, certo? - Alfinetou a Outra Mão. ainda deitada por ali, querendo apenas ver o circo pegar fogo.
- Eu não? - A Caneta soou ofendida. - Ora essa, de quem é a tinta que o Papel tão inocentemente usa para passar suas ideias?
- Por favor... - Responderam a Imaginação e a Outra Mão, em uníssono.
- Pessoal, sejamos francos. Quem realmente pensa nessa história toda é a Imaginação. - A Mão falou, em tom apaziguador. Mas, antes que pudesse ser cumprimentada pela maturidade, já deixou escapar sua verdadeira intenção. - Só os "pensadores" é que podem ficar de choramingos e evitar assim o trabalho.
- Meu Deus! - Exclamou o Papel.
- Vem você de novo com essa história de diretos iguais... - A Imaginação começava a se frustrar.
- Mas é verdade. Eu nunca tiro uma folga. Sempre trabalhando, levando a Caneta pra cá e pra lá. - A Mão seguia seu protesto.
- E o que diabos você está fazendo agora, criatura? - A Outra mão sorria, ou seja lá o que fazem as mãos quando estão alegres.
- Hum... é verdade... - Todos riram. Ou seja lá o que cada um deles costumava fazer quando alegre. E então, o silêncio, todos pensativos.
-E aquele seu amigo... - começou o Papel, tímido - Aquele que sempre leva o crédito?
- O Coração? - Retrucou a Imaginação. - Aquele lá não faz nada. Deu uma ou outra boa ideia e agora já é o Tolkien do corpo humano...
- Ahá! - O coração palpitou por ali. - Precisam de mim? - As mãos aplaudiram a entrada triunfal. A Caneta limitou-se a gemer de dor, cada palma lhe deixando mais e mais tonta. O Papel nada fez. Não que tivesse muita escolha mesmo... E a Imaginação apenas muxoxou.
- E então, qual é o caso? - O Coração perguntou, cheio de si.
- O caso é que não temos um caso. - Respondeu a Mão.
- Não é nada demais. - Grunhiu a Imaginação, contrariada.
- A "Excelentíssima" aí não consegue criar. - Alfinetou novamente a Outra Mão. E então o caos instalou-se, enquanto cada um tentava defender seus pontos. Uns de tinta, outros de vista.
- Todos tem uma noite ruim. - Argumentou a Imaginação.
- Eu não! - Retrucou o Papel.
- E eu, então? - Inflamou-se a Caneta. Figurativamente, é claro. As mãos, que nunca foram bem em debates, apelaram para o que sabiam fazer: bater. Esmurraram a mesa e o silêncio caiu como uma pedra sobre o local. Ouviu-se o crepitar da lareira e os pingos de chuva gerados pelo gramofone. Até que o Coração falou:
- Escreva sobre o que acabou de acontecer. - Sorriu, maroto. E todos permaneceram em silêncio, ponderando. A Imaginação abriu a boca, ou o que quer que seja que ela use para falar, para retrucar, mas percebeu a genialidade intrínseca da ideia. O Coração voltou ao seu trabalho. A Outra Mão deitou-se novamente, pensando "o cara é bom".
Meio a contragosto, a Imaginação mandou a Mão guiar a Caneta a escrever o que o Coração dissera. "Que droga, o cara é bom mesmo", pensou ela também. E a Caneta escreveu:
"O Papel estava em seu lugar. Um caderno ligeiramente gasto..."

09 janeiro 2011

O Fim do Mundo [Lilith]

O fim do mundo começou porque eu estava cansada.

E não, isso não é uma coisa recente. Eu estou cansada há milênios. Cansada do fogo e do enxofre. Cansada dos gritos de dor e agonia. Cansada das torturas e do terror. Cansada de tudo isso.
O Inferno já não é mais o mesmo.
Quando meu pai, Lucifer, chegou aqui, nada mais havia do que um planeta negro, onde os raios de Sol não chegavam. Não havia vida, não havia possibilidade de ela vir a existir. Nada. Apenas escuridão. Então, ele resolveu mudar tudo. Já que ele havia sido banido de sua terra, do aconchego de seu lar e do convívio com sua família, ele resolver criar uma nova vida para si. E primeiro veio o fogo. Para substituir o Sol. O planeta passou a ser iluminado, deixou de ser mortalmente frio. Mas ainda era inabitável. Ele percebeu que precisaria que sua nova família pudesse suportar o calor e a terra morta. Sua nova família teria de ser feita completamente de seres fortes, sobreviventes. Tais como ele. Sua nova família, seria superior a todo o resto da criação. E então, ele fez aquilo que, além de Deus, só os arcanjos podiam fazer, apesar de isso ser considerado o mais grave dos crimes: ele deu vida a algo inanimado.

Juntando a terra ressequida entre as mãos, ele refez os passos que um dia vira seu Pai seguir, porém fazendo as adaptações que julgara necessárias. Esculpiu o corpo com as cinzas da terra morta. Forjou a pele no fogo Infernal. Preparou os detalhes para que sua cria fosse sobreviver a tudo. E então, soprou em suas narinas o "Sopro Divino", realizando seu milagre e dando vida a mim. Sim, eu sou Lilith, "O Primeiro".

Meu pai sabia que esta ação seria julgada como a maior profanação de todos os tempos. Por isso, tomou precauções para que não houvesse necessidade de se repetir o ato. Ele queria uma família, mas temia a ira de seu Pai, então, me fez de uma maneira que eu pudesse levar sua prole adiante. Eu sou a Rainha. Todos os demônios nasceram de mim. E nascerão. Pela eternidade.

Eu tenho estado em meu trono desde o princípio. Faz tanto tempo, que já nem lembro. E isso... me cansou.
Eu já não aguentava mais viver apenas aqui, no Inferno, vendo todos os rituais repetindo-se dia e noite. As almas perdidas vindo para cá. Meus filhos divertindo-se com os recém chegados. E toda a algazarra. Todo o ódio, todo o rancor. Tudo isso me cansou. Eu queria algo novo, algo diferente. Eu queria a Terra.

Acho que é preciso explicar-lhes o conceito de Inferno e Paraíso. Não há "lá em cima" nem "cá embaixo". Estamos todos no mesmo nível. Só que em dimensões diferentes. E, seres de uma dimensão não podem interferir na dimensão paralela. Exceto, segundo Lucifer, por Deus. Como ele criou tudo isso, o Inferno por último, para abrigar os caídos, ele tem passe livre entre um lugar e outro. Mas de resto, ninguém vai de um lugar ao outro.

Até o dia em que o mundo acabou.
Eu sou "O Primeiro", por isso tenho certos poderes que os demais não tem. O Sopro Divino que me anima me diferencia dos demais. E, por isso, eu consigo enviar minha influência para lugares distantes. Até mesmo, para outras dimensões. E foi o que eu fiz. Como um rádio amador, enviando sinais para o espaço, eu passava meus dias tentando encontrar alguém na Terra que quisesse me ajudar. Era insano. Afinal, qual ser humano iria querer ajudar alguém que quer apenas destruí-lo?
Mas, para minha surpresa, havia alguém. Um homem. Não recordo seu nome. Ele ouviu meu chamado. E aceitou a proposta.
Durante dois anos, ele construiu a estrutura que colocaria meu plano em ação. E não falhou. Marcamos o dia. No Inferno era só mais um período de escuridão ensandecedora e calor insuportável. Na Terra, era um dia pacato, de céu nublado. Ele fez o necessário para me abrir o caminho.

"Atráves do Coração ainda pulsante de um sacrifício impuro, abrirá-se o caminho entre o Inferno e a Terra."

Ninguém sabe de onde surgiu a lenda. Ninguém sabe quem a escreveu. Mas agora, eu sei que funciona.

Quando o homem que me ajudava cravou o punhal no coração da garota, a alma dela se perdeu na escuridão, deixando assim um lugar para que eu pudesse subir. O caminho estava aberto e eu, preparada. A profanação de um coração humano era um sacrifício grandioso, porém só me proporcionaria um corpo terrestre. O resto do caminho eu teria de abrir manualmente.

Chegando a Terra, quando me vi no corpo daquela garota, percebi que meus poderes não haviam sumido. O Sopro Divino em meu interior ainda era o mesmo, e eu ainda poderia influenciar as pessoas. O homem, Ivan, me recordo agora, jurou me ajudar com o que fosse necessário. E o fez, de sua maneira. Ele sabia o que precisávamos fazer e sabia exatamente como fazê-lo. Decidi seguir seu plano.
Primeiro, retornei até a casa da jovem cujo corpo eu habitava. Pessoas me abraçavam, surpresas, com o meu retorno. Eu levara Ivan comigo, e logo todos criaram histórias a respeito de meu sumiço. Eu não me importava. A jovem habitante do corpo talvez tivesse levado em consideração, mas para mim, aquilo não significava nada, eram só histórias sem sentido. Me foquei no que importava: trazer meus filhos à Terra.

Pusemos o plano em prática.
No topo de um prédio qualquer, nós abriríamos o portal. Primeiro foi a fogueira. Então as palavras mágicas. O ritual era simples, mas precisava de algo que ninguém antes tivera: O Sopro Divino. No momento em que deixei o ar sair de meus lábios, o fogo ganhou vida. Tomou conta do prédio com uma velocidade surpreendente. Ivan, ao meu lado, sentiu que estava perdido, mas eu lhe disse para não se preocupar. Ninguém que serve à Lilith paga por seus serviços.

Quando o portal se abriu, o Inferno veio à Terra, causando um choque monstruoso. O fogo se espalhou por todos os lados, a energia da explosão varrendo tudo o que havia ao redor do prédio. Os humanos sofriam. Meus filhos estavam livres.
Eu estava feliz.

Demônios pulularam a cidade em segundos. Minhas crias, correndo livres pelo mundo onde havia Sol, onde não havia fogo nem enxofre. Meu pai sentiria orgulho, se ainda estivesse vivo...
Eu vi enquanto meus filhos se divertiam, fazendo humanos sofrerem. Era o que sabiam fazer, afinal de contas. O Inferno na Terra havia começado. E eu estava feliz.
O Fim do Mundo havia começado, e eu estava feliz.

08 janeiro 2011

O Fim do Mundo [John]

Uma cerveja quente. Foi assim que o fim do mundo começou pra mim.
Eu estava no mesmo pub de sempre, o Inner's Head, fazendo o mesmo de sempre: Nada.

Ao meu redor, pessoas desprezíveis faziam as mesmas coisas desprezíveis de sempre: paqueravam, algumas mais adiantas, outras menos. Bebiam até fazer fiasco. Gritavam e faziam outras coisas ridículas pra tentar chamar atenção. As mesmas babaquices que todos fazem quando em um bar.
Todos, exceto eu. Sentado na minha mesa habitual, eu tentava assistir ao noticiário, mesmo sem ter a menor esperança de poder ouvir uma palavra que fosse. A notícia que era apresentada agora parecia confusa. Uma repórter falava algo, aparentando estar assustada. Dava pra ver pela expressão dela, pela maneira como seus olhos corriam freneticamente enquanto ela tentava vencer o texto do teleprompter, que ela queria sair dali o mais rápido possível. A câmera fremia um pouco, o que indicava que era mantida não em um suporte, mas no ombro de alguém. Logo, a reportagem deveria ser repentina. Aquilo ali, seja lá o que fosse, acabara de acontecer. Enquanto a repórter falava o mais rápido que conseguia, sua mão apertando com força o microfone, ao fundo, um edifício era engolfado por chamas. Era estranho, mas...

Aquilo poderia até ser interessante, mas eu simplesmente não conseguia me concentrar em nada, tão irritado estava.
Bom, você também estaria, se tivesse sido demitido injustamente. É uma longa história e, nesta altura do campeonato, não é de fato importante. Só o que você precisa saber é que eu era um jornalista de um canal importante. E então, por causa de uma garota que desapareceu e então reapareceu, eu perdi o emprego. Quer dizer, até parecia que a culpa por ela ter voltado era minha...

"Filha de político influente desaparece misteriosamente", era a manchete do canal concorrente. "Jovem sequestrada por culto satânico", era a nossa. E eu tinha as provas. Ela foi, de fato, sequestrada por aquele pessoalzinho insano. Eu sabia. Tinha uma fonte segura. E estava tudo pronto. Quando eu achei que veria o apogeu da minha carreira, o que acontece? A garota reaparece. Ilesa. Risonha. "Tudo não passou de uma fuga amorosa", foi a nossa manchete. "Jovem repórter perde o emprego", foi a manchete que eu li.

No início da tarde meu chefe entrou na sala. Não disse nada. Só ligou a TV, me fez ver a entrevista da garota, então apontou a porta e disse adeus. Simples assim. Eu tentei argumentar. Ele disse "você estragou nossa imagem. Precisamos de um bode expiatório." Eu entendi. Mas não gostei. E agora estava ali, no mesmo pub de sempre, esperando uma cerveja.

Passaram-se quase dez minutos até o garçom chegar à minha mesa e, sem nem corar, me entregar uma caneca de cerveja quente. Ele depositou a bebida sobre a mesa, deu as costas e sumiu. Sabia que estava me sacaneando, por isso não quis ficar por perto para me ver descobrir.
Desviei os olhos da televisão, agora a repórtir tinha sido substituída por uma tomada área do local, o prédio sendo consumido rapidamente pelo fogo. Rápido demais, eu deveria ter notado. Quando toquei a cerveja nos lábios, percebi que tinha sido tapeado. Na mesma hora, ergui-me da cadeira e bati a caneca na mesa, fazendo voar cerveja quente por toda a volta. "Era só o que faltava", pensei, irritado. Naquela hora eu havia decidido: vou quebrar a cara de todo mundo nessa espelunca. E eu não imaginava o quão certo estava.
Eu estava na metade do caminho quando alguém gritou. Era uma moça. Ela apontava para a televisão. A confusão se instaurou no local, enquanto todos tentavam virar-se para fitar o aparelho. Eu não estava interessado. Continuei abrindo caminho através da multidão, acotovelando uns e chutando outros. Só queria acertar um murro no garçom que me levara aquela cerveja quente.

E então a explosão.

Primeiro foi o som. Alto, ensurdecedor. Instantaneamente, me virei para a televisão. Só havia estática sendo mostrada no visor. Mas, era óbvio que não era dali que vinha o som. Era algo maior, mais próximo. E aumentando. Quando o barulho já machucava meus ouvidos e as pessoas ao redor caiam umas sobre as outras, os mais fracos convulsionando, foi que eu senti o calor. Uma onda de energia quente passou pelo pub, estilhaçando vidros e canecas, garrafas e lâmpadas. Mesmo a televisão encontrou seu fim. Os cacos encheram o ar, acertando um ou outro, inúmeros cortes aparecendo em rostos e mãos. Eu mesmo senti uma fisgada na mão direita, enquanto o sangue vermelho verteu de minha pele. E então eu caí. O som era alto demais para mim. Senti como se minha cabeça estivesse sendo pressionada contra a parede. A dor era insana. Sem perceber, eu levara as mãos aos ouvidos, tentando protegê-los. Só percebi que havia feito isso quando senti o sangue quente que escorria de meus ouvidos tocando as palmas de minhas mãos.
E, de repente, acabou.
O silêncio. Meus ouvidos ainda zuniam, a explosão ainda ecoando em minha mente. Alguém levantou-se perto de mim. Senti a movimentação. Mas não ouvia nada. Abri os olhos. Tudo era um borrão ininteligível. Algo se moveu em meu campo de visão. Não soube distinguir o que era. Mais movimentação. Balancei a cabeça, tentando clarear a vista. Me arrependi imediatamente, pois o que consegui foi sentir uma dor excruciante na têmpora. Fechei os olhos. O sangue parara de verter de meus ouvidos, e minha audição ia voltando a funcionar, aos poucos.

Um grito ecoou ao longe. Mas abafado, engasgado, como se eu estivesse embaixo d'água. Reabri os olhos. As coisas tinham entrado em foco novamente, mas a luz forte feriu minha retina. Os gritos começaram a fazer mais sentido, apesar de não terem essa intenção. Eram só gritos de dor, de agonia. Tirei as mãos dos ouvidos e tentei tatear o ambiente ao meu redor. Primeiro senti o chão duro e quente. Então, minha mão tocou algo macio. Tentei verificar o que era, mas não conseguia entender. Abri os olhos novamente. Desta vez consegui enxergar, mas desejei não tê-lo conseguido. Minha mão tocava um braço. Mas não havia corpo. Só o braço. E uma poça de sangue. Os gritos tornaram-se mais fortes, meus ouvidos passando a funcionar novamente. Olhei ao redor. O teto desabara, esmagando grande parte do lugar. E grande parte das pessoas que ali estavam. Eu me salvara por pouco. Ao meu lado, três outras pessoas se moviam. Duas brigando entre si. Parecia idiotice. Acabaramos de ver o início do fim do mundo, e aqueles idiotas estavam brigando? A terceira pessoa chorava, sentada ao chão, as mãos no rosto. Não, era apenas uma mão. A outra...

- Fuja! Logo! - Um dos homens que brigava gritou, enquanto seu oponente tentava agarrá-lo. A garota, no chão, esvaia-se lentamente, o sangue correndo fraquinho do ferimento que estava onde antes estivera seu braço. O choque me paralisou. Tentei entender o que acontecia, mas nada fazia sentido. E então, o grito. Um dos homens mordera o outro. Eu não conseguia entender, mas parecia um sujeito grandão, forte, e... vermelho...
-AAAAAAAAAAh! - Gritou o outro, enquanto o sangue jorrava de sua jugular, agora exposta, um grande pedaço de seu pescoço faltando. O outro, o grandão não esperou muito. Ergueu a mão e desceu-a com força contra o rosto do oponente. O barulho dos ossos de sua coluna se chocando e quebrando foi nauseante. O homem caiu estatelado no chão. Sem dúvidas, morto. E então eu entendi. Só restava eu. E o cara vermelho.

Ele virou-se para a garota e então pulou. Um pulo desumano. Sem explicação. E quando aterrisou, já enterrava as presas (sim, ele tinha presas), no peito da garota. Ela arfou, já sem forças para gritar, enquanto um pedaço de sua carne era arrancada. Eu não entendia. O que era aquilo? Um pesadelo? O Inferno?

Quando o monstro mordeu sua vítima de novo, desta vez expondo os ossos da costela, um entendimento repentino tomou conta de mim. Não algo nobre, ou bonito, ou digno. Apenas instinto: Eu era o próximo. E ele estava com fome.

Me ergui lentamente, rezando para o Deus no qual eu nunca acreditei, para que meu corpo estivesse em um bom estado. Seria necessário tudo o que eu pudesse fazer para sobreviver. Dei um passo para o lado, saltando o braço da garota, fitando o banquete do monstro com nojo, enquanto procurava algo com o que me defender. Mas não havia nada. Nenhuma arma, nenhuma faca. Nada. Só os escombros do teto que sucumbira à explosão.
Ouvi o ruído de um pedaço de carne sendo desprendido do corpo. Virei-me para o chão e procurei por qualquer coisa que pudesse usar. Achei um pedaço de viga de ferro. Parecia resistente. Tentei erguê-lo, mas falhei na primeira tentativa. Era mais pesado do que eu supunha. Tentei puxá-lo de novo. E escorreguei. Caí entre os escombros, causando grande comoção. E era isso. No mesmo instante eu soube. Havia atraído a atenção para mim. Me virei no chão, e então eu vi, pela primeira vez na vida, um demônio. A pele vermelha. O corpo coberto de músculos e feridas. Os olhos insanos, pequenos, negros. As presas anormalmente grandes, manchadas de sangue. Ele ainda segurava um osso na mão. Uma costela, talvez. Ele arreganhou os dentes, num sorriso macabro. Me encarou. Eu não tinha o que fazer. Ele pulou.

E, por sorte, era um monstro excepcionalmente burro. Eu já sabia que estava morto. Mas estava enganado. O que senti, foi o sangue quente jorrando em mim. Abri os olhos e me vi face a face com o demônio. Ele estava a poucos centímetros de mim. Mas não se movia. A boca aberta, ainda naquele sorriso maligno. Os dentes a mostra. Em seu peito, a viga de metal, atravessando-o, brotando em suas costas. O monstro não relutou muito, apenas parou. Morto.
E eu, sem acreditar, vivo.

Permaneci onde estava por algum tempo, o sangue espesso daquele monstro ainda gotejando em mim. Eu quis acordar. Sabia que era um pesadelo. Mas...

Eu estava enganado...

06 janeiro 2011

Pesadelo

Sinos soavam em algum lugar perto de onde eu estava. Ou sentia estar. Fato comum ao se acordar é recobrar os sentidos gradativamente, como que se o interruptor principal do cérebro fosse acionado e as luzes deste começassem a se acender pouco a pouco, uma área de cada vez. Primeiro minha audição foi acionada, fixando-se nas badaladas que ecoavam pelo cômodo onde eu estava. Então, comecei a sentir as dimensões do meu corpo novamente. O formigamento em meus braços e pernas, um leve sinal de que ainda estavam todos ali. Pode parecer estranho alguém precisar de uma indicação como está, mas para mim era bem útil. Depois do corpo dar seu sinal de vida, foi a vez dos olhos se abrirem lentamente, procurando absorver alguma imagem do ambiente ao meu redor. Essa tentativa logo se provou frustrada. Uma luz ofuscante foi a única coisa que consegui identificar, antes de minhas pálpebras se fecharem novamente em protesto. Desejei levar as mãos a frente do rosto para protegê-lo, mas aparentemente meu corpo ainda não poderia respoder a tal comando, pois a luz continuou a brilhar através de minhas pálpebras cerradas. O choque relativo à iluminação forte provocou uma leve pontada em minha têmpora, o que indicava que minha cabeça ainda estava ali. Minha mente ainda entorpecida trabalhava vagarosamente, somando todas as informações afim de alocar-se de fato no ambiente em que eu me encontrava. Neste instante, meu olfato pareceu despertar, captando então um odor forte que desprendia-se do ambiente. Algo que eu ainda não conseguia associar com nada, afim de conseguir uma identificação. Mas o odor me alarmava, criando em minha mente uma preocupação que eu não conseguia compreender. Tornei a abrir os olhos, desta vez mais vagarosamente, premeditando o ato, afim de tentar vislumbrar o clarão que me ofuscara antes. O choque luminoso não foi tão brusco desta vez, permitindo-me vislumbrar o que estava diante de mim. Precisei de alguns instantes para perceber que a luz provinha de uma luminaria gigantesca, fixada ao teto de uma sala desconhecida para mim. Minha mente agora mais ágil, começou a ligar os pontos do quebra cabeça em que me encontrava. O cheiro que eu sentia logo tornou-se conhecido para mim: fumaça. Ou talvez pior. Aquela fumaça não era proveniente de carvão em brasa. Não, o odor era diferenciado. Certamente era de algo que queimava, mas não se tratava de madeira. O som dos sinos tornava-se mais alto em meus tímpanos, como se eu passasse a ouví-lo mais de perto a cada segundo. Tentei erguer a cabeça para fitar o resto da sala onde estava, mas não consegui. Minha cabeça parecia presa, firmemente segura contra a superfícia gélida que agora eu sentia sob meu corpo. A preocupação que eu sentira antes parecia aumentar cada vez mais, enquanto eu tentava erguer os braços e notava quev estes também estavam presos à mesa. Logo percebi que todo o meu corpo estava completamente imobilizado. Desesperada, pensei em gritar, porém, senti algo que me refreou instantaneamente: um gosto salgado que eu, até então, não havia percebido, destacava-se em minha boca. uma substância salgade que lembrava ferro e me causava ânsias de vômito: Sangue.
Neste momento, o desespero pulsando em minhas eias, eu consegui recobrar por completo o controle de meu corpo, sentindo cada centímetro dele, tendo consciência de cada ponto, cada músculo, cada nervo. E desejei ao mesmo tempo que não o tivesse conseguido. A dor que eu sentia era lancinante, espalhada por todo o meu ser e ainda assim focalizada em pontos exatos, provocando ainda mais confusão para mim. Lágrimas escorreram de meus olhos, resvalando por meu rosto e perdendo-se em meu cabelo longo, que se espalhava pela mesa onde eu estava. Minha respiração ofegante me impedia de articular um grito, então tudo o que consegui foi grunhir em desespero, implorando para que alguém viesse me libertar de meu sofrimento. Enquanto murmurava, incapaz de proferir sequer uma palavra inteligível, minha garganta queimava e um ponto em meu peito latejava intensamente, bem no centro da minha caixa toráxica, no ponto exato onde eu supunha encontravam-se as costelas. Com o passar dos segundos, consegui reconhecer as outras dores que me afligiam. Meu braço esquerdo, preso de forma a ficar com o cotovelo apoiado na mesa, ardia em quase toda a sua extensão, com o contato do ar pesado da sala. Minha mão direita parecia adormecida, mas uma dor latente chamava minha atenção para ela. Uma dor que concentrava-se exatamente em seu centro. Meu quadril afligia-me com seguidas pontadas dolorosas, todas as vezes em que eu tentava me mexer, o que talvez significasse uma fratura ou coisa do gênero. Consegui sentir minha perna esquerda tocando a mesa em pontos estranhos, desenhando em minha mente a forma em que ela estaria posicionada, um ângulo tremendamente errado que me fez imaginar se ela estaria quebrada. Para cada nova dor que meu cérebro computava, a dor no geral ia se amenizando, tornando-se mais suportável. Provavelmente fora só o choque inicial ligeiramente exagerado que me causara tanta agonia, mas ainda assim, mesmo depois de ter a percepção de cada ferimento separadamente, eu ainda sentia meu peito oprimido por todas as dores que se espalhavam por meu ser. Levei alguns minutos para conseguir controlar meu coração e minha mente, a ponto de conseguir segurar o choro e suportar as dores. Tentei apontar meus pensamentos para a obtenção de uma explicação para o que estava acontecendo. O que eram aqueles sinos que soavam incessantemente? De onde proviam todos esses ferimentos que eu possuia? Por que eu estava amarrada em uma superfície gelada, como uma maca de hospital? E o mais inquietante de tudo, o que era aquele odor aterrorizante que intensificava-se cada vez mais? Tentei novamente forçar o corpo para me livrar das amarras, mas estas estavam firmes de mais, me impossibilitando de qualquer tentativa de me libertar. Sem mencionar que o simples ato de me mexer já gerava em mim pontadas de dor por todo o corpo. Respirei fundo para me acalmar, mas logo me arrependi. O ar intragável do ambiente ardeu terrivelmente em minha garganta e fez a dor em meu peito mutiplicar-se milhares de vezes. As lágrimas tornaram a encher meus olhos, mas eu as contive em seguida, disposta a controlar-me. Foi quando aconteceu: Em um instante eu fitava a lâmpada que me banhava naquela luz intensa, os olhos marejados tornando a imagem desfocada. No segundo seguinte, havia um rosto aterrador me encarando fixamente. Talvez fosse só um delirio meu, mas aquele rosto parecia mortalmente assustador. A pele amarelada, quase verde, possuia um aspecto de nada saudável, como que ressecada. Os olhos tinham um aspecto leitoso, as pupílas amarelas pareciam enevoadas, desfocadas. A boca de lábios finos e roxos, como os de alguém que está com muito frio, repuxava-se em um meio sorriso frenético. A aparição deste rosto me chocou de tal forma que me fez sobressaltar-me, tentando me mover inutilmente, enquanto sentia as dores em meu corpo aumentando. Senti um dedo quente e rugoso percorrer minha testa e puxar meu cabelo para o lado, afim de afastá-lo de meu rosto, enquanto a criatura olhava-me com uma expressão de divertimento. - Como está minha paciente preferida hoje? - Sua voz era suave, provocando ainda mais confusão em mim: Parecia improvável que aquela voz suave e ligeiramente aconchegante estivesse saindo daquela boca horripilante. Levei vários segundos para conseguir encontrar minha capacidade de fala, mesmo que ainda assustada demais para conseguir pensar no que dizer. O rosto desapareceu de meu campo de visão sem provocar nenhum ruído, como se a criatura flutuasse pela sala. Assim que não consegui mais enxergá-la, recobrei um pouco de meu controle e consegui pôr a mente nos trilhos, pensando mais adequadamente. Com muito cuidado, abri a boca e pronunciei as palavras o mais baixo que consegui, ainda assim de forma audível: - Onde eu estou? - Minha voz soou falha e débil, assustando-me. Será que meu estado era tão ruim e eu não conseguia perceber? Ouvi uma gargalhada encher a sala por um instante, uma gargalhada sem sentimento algum. Antes que eu pudesse compreender aquilo, fui paralizada pelo toque aspero na pele de minha perna quebrada. O dedo que me tocava percorreu minha pele em um trajeto estranho, reafirmando minha suspeita de que minha perna estava posicionada de forma indevida. Assim que chegou próximo a minha virílha, o toque cessou, o que me deixou muito grata. Então o rosto reapareceu em meu campo de visão, desta vez ilustrado com um intenso sorriso, que ainda assim não produzia nele um efeito animador ou convidativo. E então a criatura respondeu minha pergunta, a voz oscilante devido ao riso contido: - Porque eu tenho de lembrá-la todas as manhãs, Jessy? Você está no Inferno, amorzinho. Sob meus cuidados. - E então ele se inclinou e tocou seus lábios nos meus. Eu tentei gritar, me mexer, tentei desesperadamente reagir. E então, eu estava sentada em minha cama, o corpo coberto de suor, tremendo desvairadamente. Minha respiração ofegante me impedia de gritar, o que foi um alívio. "Foi só o pesadelo", disse para mim mesma. Levantei-me e caminhei até o banheiro. No caminho, dei uma olhada no relógio sobre a minha bancada: 4 horas da manhã. "Tudo bem", disse para mim mesma. Nada de fechar os olhos pelo resto da noite.