06 janeiro 2011

Pesadelo

Sinos soavam em algum lugar perto de onde eu estava. Ou sentia estar. Fato comum ao se acordar é recobrar os sentidos gradativamente, como que se o interruptor principal do cérebro fosse acionado e as luzes deste começassem a se acender pouco a pouco, uma área de cada vez. Primeiro minha audição foi acionada, fixando-se nas badaladas que ecoavam pelo cômodo onde eu estava. Então, comecei a sentir as dimensões do meu corpo novamente. O formigamento em meus braços e pernas, um leve sinal de que ainda estavam todos ali. Pode parecer estranho alguém precisar de uma indicação como está, mas para mim era bem útil. Depois do corpo dar seu sinal de vida, foi a vez dos olhos se abrirem lentamente, procurando absorver alguma imagem do ambiente ao meu redor. Essa tentativa logo se provou frustrada. Uma luz ofuscante foi a única coisa que consegui identificar, antes de minhas pálpebras se fecharem novamente em protesto. Desejei levar as mãos a frente do rosto para protegê-lo, mas aparentemente meu corpo ainda não poderia respoder a tal comando, pois a luz continuou a brilhar através de minhas pálpebras cerradas. O choque relativo à iluminação forte provocou uma leve pontada em minha têmpora, o que indicava que minha cabeça ainda estava ali. Minha mente ainda entorpecida trabalhava vagarosamente, somando todas as informações afim de alocar-se de fato no ambiente em que eu me encontrava. Neste instante, meu olfato pareceu despertar, captando então um odor forte que desprendia-se do ambiente. Algo que eu ainda não conseguia associar com nada, afim de conseguir uma identificação. Mas o odor me alarmava, criando em minha mente uma preocupação que eu não conseguia compreender. Tornei a abrir os olhos, desta vez mais vagarosamente, premeditando o ato, afim de tentar vislumbrar o clarão que me ofuscara antes. O choque luminoso não foi tão brusco desta vez, permitindo-me vislumbrar o que estava diante de mim. Precisei de alguns instantes para perceber que a luz provinha de uma luminaria gigantesca, fixada ao teto de uma sala desconhecida para mim. Minha mente agora mais ágil, começou a ligar os pontos do quebra cabeça em que me encontrava. O cheiro que eu sentia logo tornou-se conhecido para mim: fumaça. Ou talvez pior. Aquela fumaça não era proveniente de carvão em brasa. Não, o odor era diferenciado. Certamente era de algo que queimava, mas não se tratava de madeira. O som dos sinos tornava-se mais alto em meus tímpanos, como se eu passasse a ouví-lo mais de perto a cada segundo. Tentei erguer a cabeça para fitar o resto da sala onde estava, mas não consegui. Minha cabeça parecia presa, firmemente segura contra a superfícia gélida que agora eu sentia sob meu corpo. A preocupação que eu sentira antes parecia aumentar cada vez mais, enquanto eu tentava erguer os braços e notava quev estes também estavam presos à mesa. Logo percebi que todo o meu corpo estava completamente imobilizado. Desesperada, pensei em gritar, porém, senti algo que me refreou instantaneamente: um gosto salgado que eu, até então, não havia percebido, destacava-se em minha boca. uma substância salgade que lembrava ferro e me causava ânsias de vômito: Sangue.
Neste momento, o desespero pulsando em minhas eias, eu consegui recobrar por completo o controle de meu corpo, sentindo cada centímetro dele, tendo consciência de cada ponto, cada músculo, cada nervo. E desejei ao mesmo tempo que não o tivesse conseguido. A dor que eu sentia era lancinante, espalhada por todo o meu ser e ainda assim focalizada em pontos exatos, provocando ainda mais confusão para mim. Lágrimas escorreram de meus olhos, resvalando por meu rosto e perdendo-se em meu cabelo longo, que se espalhava pela mesa onde eu estava. Minha respiração ofegante me impedia de articular um grito, então tudo o que consegui foi grunhir em desespero, implorando para que alguém viesse me libertar de meu sofrimento. Enquanto murmurava, incapaz de proferir sequer uma palavra inteligível, minha garganta queimava e um ponto em meu peito latejava intensamente, bem no centro da minha caixa toráxica, no ponto exato onde eu supunha encontravam-se as costelas. Com o passar dos segundos, consegui reconhecer as outras dores que me afligiam. Meu braço esquerdo, preso de forma a ficar com o cotovelo apoiado na mesa, ardia em quase toda a sua extensão, com o contato do ar pesado da sala. Minha mão direita parecia adormecida, mas uma dor latente chamava minha atenção para ela. Uma dor que concentrava-se exatamente em seu centro. Meu quadril afligia-me com seguidas pontadas dolorosas, todas as vezes em que eu tentava me mexer, o que talvez significasse uma fratura ou coisa do gênero. Consegui sentir minha perna esquerda tocando a mesa em pontos estranhos, desenhando em minha mente a forma em que ela estaria posicionada, um ângulo tremendamente errado que me fez imaginar se ela estaria quebrada. Para cada nova dor que meu cérebro computava, a dor no geral ia se amenizando, tornando-se mais suportável. Provavelmente fora só o choque inicial ligeiramente exagerado que me causara tanta agonia, mas ainda assim, mesmo depois de ter a percepção de cada ferimento separadamente, eu ainda sentia meu peito oprimido por todas as dores que se espalhavam por meu ser. Levei alguns minutos para conseguir controlar meu coração e minha mente, a ponto de conseguir segurar o choro e suportar as dores. Tentei apontar meus pensamentos para a obtenção de uma explicação para o que estava acontecendo. O que eram aqueles sinos que soavam incessantemente? De onde proviam todos esses ferimentos que eu possuia? Por que eu estava amarrada em uma superfície gelada, como uma maca de hospital? E o mais inquietante de tudo, o que era aquele odor aterrorizante que intensificava-se cada vez mais? Tentei novamente forçar o corpo para me livrar das amarras, mas estas estavam firmes de mais, me impossibilitando de qualquer tentativa de me libertar. Sem mencionar que o simples ato de me mexer já gerava em mim pontadas de dor por todo o corpo. Respirei fundo para me acalmar, mas logo me arrependi. O ar intragável do ambiente ardeu terrivelmente em minha garganta e fez a dor em meu peito mutiplicar-se milhares de vezes. As lágrimas tornaram a encher meus olhos, mas eu as contive em seguida, disposta a controlar-me. Foi quando aconteceu: Em um instante eu fitava a lâmpada que me banhava naquela luz intensa, os olhos marejados tornando a imagem desfocada. No segundo seguinte, havia um rosto aterrador me encarando fixamente. Talvez fosse só um delirio meu, mas aquele rosto parecia mortalmente assustador. A pele amarelada, quase verde, possuia um aspecto de nada saudável, como que ressecada. Os olhos tinham um aspecto leitoso, as pupílas amarelas pareciam enevoadas, desfocadas. A boca de lábios finos e roxos, como os de alguém que está com muito frio, repuxava-se em um meio sorriso frenético. A aparição deste rosto me chocou de tal forma que me fez sobressaltar-me, tentando me mover inutilmente, enquanto sentia as dores em meu corpo aumentando. Senti um dedo quente e rugoso percorrer minha testa e puxar meu cabelo para o lado, afim de afastá-lo de meu rosto, enquanto a criatura olhava-me com uma expressão de divertimento. - Como está minha paciente preferida hoje? - Sua voz era suave, provocando ainda mais confusão em mim: Parecia improvável que aquela voz suave e ligeiramente aconchegante estivesse saindo daquela boca horripilante. Levei vários segundos para conseguir encontrar minha capacidade de fala, mesmo que ainda assustada demais para conseguir pensar no que dizer. O rosto desapareceu de meu campo de visão sem provocar nenhum ruído, como se a criatura flutuasse pela sala. Assim que não consegui mais enxergá-la, recobrei um pouco de meu controle e consegui pôr a mente nos trilhos, pensando mais adequadamente. Com muito cuidado, abri a boca e pronunciei as palavras o mais baixo que consegui, ainda assim de forma audível: - Onde eu estou? - Minha voz soou falha e débil, assustando-me. Será que meu estado era tão ruim e eu não conseguia perceber? Ouvi uma gargalhada encher a sala por um instante, uma gargalhada sem sentimento algum. Antes que eu pudesse compreender aquilo, fui paralizada pelo toque aspero na pele de minha perna quebrada. O dedo que me tocava percorreu minha pele em um trajeto estranho, reafirmando minha suspeita de que minha perna estava posicionada de forma indevida. Assim que chegou próximo a minha virílha, o toque cessou, o que me deixou muito grata. Então o rosto reapareceu em meu campo de visão, desta vez ilustrado com um intenso sorriso, que ainda assim não produzia nele um efeito animador ou convidativo. E então a criatura respondeu minha pergunta, a voz oscilante devido ao riso contido: - Porque eu tenho de lembrá-la todas as manhãs, Jessy? Você está no Inferno, amorzinho. Sob meus cuidados. - E então ele se inclinou e tocou seus lábios nos meus. Eu tentei gritar, me mexer, tentei desesperadamente reagir. E então, eu estava sentada em minha cama, o corpo coberto de suor, tremendo desvairadamente. Minha respiração ofegante me impedia de gritar, o que foi um alívio. "Foi só o pesadelo", disse para mim mesma. Levantei-me e caminhei até o banheiro. No caminho, dei uma olhada no relógio sobre a minha bancada: 4 horas da manhã. "Tudo bem", disse para mim mesma. Nada de fechar os olhos pelo resto da noite.

Um comentário:

  1. o.o
    Posso me esconder com medo do tio ali?
    Por que realmente senti as dores dela...
    e... *arrepios*
    Mas, apesar disso, muito, mas muito bem escrito! :3

    //okayeunãosirvoprafazercomentários,maseutento!

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