08 janeiro 2011

O Fim do Mundo [John]

Uma cerveja quente. Foi assim que o fim do mundo começou pra mim.
Eu estava no mesmo pub de sempre, o Inner's Head, fazendo o mesmo de sempre: Nada.

Ao meu redor, pessoas desprezíveis faziam as mesmas coisas desprezíveis de sempre: paqueravam, algumas mais adiantas, outras menos. Bebiam até fazer fiasco. Gritavam e faziam outras coisas ridículas pra tentar chamar atenção. As mesmas babaquices que todos fazem quando em um bar.
Todos, exceto eu. Sentado na minha mesa habitual, eu tentava assistir ao noticiário, mesmo sem ter a menor esperança de poder ouvir uma palavra que fosse. A notícia que era apresentada agora parecia confusa. Uma repórter falava algo, aparentando estar assustada. Dava pra ver pela expressão dela, pela maneira como seus olhos corriam freneticamente enquanto ela tentava vencer o texto do teleprompter, que ela queria sair dali o mais rápido possível. A câmera fremia um pouco, o que indicava que era mantida não em um suporte, mas no ombro de alguém. Logo, a reportagem deveria ser repentina. Aquilo ali, seja lá o que fosse, acabara de acontecer. Enquanto a repórter falava o mais rápido que conseguia, sua mão apertando com força o microfone, ao fundo, um edifício era engolfado por chamas. Era estranho, mas...

Aquilo poderia até ser interessante, mas eu simplesmente não conseguia me concentrar em nada, tão irritado estava.
Bom, você também estaria, se tivesse sido demitido injustamente. É uma longa história e, nesta altura do campeonato, não é de fato importante. Só o que você precisa saber é que eu era um jornalista de um canal importante. E então, por causa de uma garota que desapareceu e então reapareceu, eu perdi o emprego. Quer dizer, até parecia que a culpa por ela ter voltado era minha...

"Filha de político influente desaparece misteriosamente", era a manchete do canal concorrente. "Jovem sequestrada por culto satânico", era a nossa. E eu tinha as provas. Ela foi, de fato, sequestrada por aquele pessoalzinho insano. Eu sabia. Tinha uma fonte segura. E estava tudo pronto. Quando eu achei que veria o apogeu da minha carreira, o que acontece? A garota reaparece. Ilesa. Risonha. "Tudo não passou de uma fuga amorosa", foi a nossa manchete. "Jovem repórter perde o emprego", foi a manchete que eu li.

No início da tarde meu chefe entrou na sala. Não disse nada. Só ligou a TV, me fez ver a entrevista da garota, então apontou a porta e disse adeus. Simples assim. Eu tentei argumentar. Ele disse "você estragou nossa imagem. Precisamos de um bode expiatório." Eu entendi. Mas não gostei. E agora estava ali, no mesmo pub de sempre, esperando uma cerveja.

Passaram-se quase dez minutos até o garçom chegar à minha mesa e, sem nem corar, me entregar uma caneca de cerveja quente. Ele depositou a bebida sobre a mesa, deu as costas e sumiu. Sabia que estava me sacaneando, por isso não quis ficar por perto para me ver descobrir.
Desviei os olhos da televisão, agora a repórtir tinha sido substituída por uma tomada área do local, o prédio sendo consumido rapidamente pelo fogo. Rápido demais, eu deveria ter notado. Quando toquei a cerveja nos lábios, percebi que tinha sido tapeado. Na mesma hora, ergui-me da cadeira e bati a caneca na mesa, fazendo voar cerveja quente por toda a volta. "Era só o que faltava", pensei, irritado. Naquela hora eu havia decidido: vou quebrar a cara de todo mundo nessa espelunca. E eu não imaginava o quão certo estava.
Eu estava na metade do caminho quando alguém gritou. Era uma moça. Ela apontava para a televisão. A confusão se instaurou no local, enquanto todos tentavam virar-se para fitar o aparelho. Eu não estava interessado. Continuei abrindo caminho através da multidão, acotovelando uns e chutando outros. Só queria acertar um murro no garçom que me levara aquela cerveja quente.

E então a explosão.

Primeiro foi o som. Alto, ensurdecedor. Instantaneamente, me virei para a televisão. Só havia estática sendo mostrada no visor. Mas, era óbvio que não era dali que vinha o som. Era algo maior, mais próximo. E aumentando. Quando o barulho já machucava meus ouvidos e as pessoas ao redor caiam umas sobre as outras, os mais fracos convulsionando, foi que eu senti o calor. Uma onda de energia quente passou pelo pub, estilhaçando vidros e canecas, garrafas e lâmpadas. Mesmo a televisão encontrou seu fim. Os cacos encheram o ar, acertando um ou outro, inúmeros cortes aparecendo em rostos e mãos. Eu mesmo senti uma fisgada na mão direita, enquanto o sangue vermelho verteu de minha pele. E então eu caí. O som era alto demais para mim. Senti como se minha cabeça estivesse sendo pressionada contra a parede. A dor era insana. Sem perceber, eu levara as mãos aos ouvidos, tentando protegê-los. Só percebi que havia feito isso quando senti o sangue quente que escorria de meus ouvidos tocando as palmas de minhas mãos.
E, de repente, acabou.
O silêncio. Meus ouvidos ainda zuniam, a explosão ainda ecoando em minha mente. Alguém levantou-se perto de mim. Senti a movimentação. Mas não ouvia nada. Abri os olhos. Tudo era um borrão ininteligível. Algo se moveu em meu campo de visão. Não soube distinguir o que era. Mais movimentação. Balancei a cabeça, tentando clarear a vista. Me arrependi imediatamente, pois o que consegui foi sentir uma dor excruciante na têmpora. Fechei os olhos. O sangue parara de verter de meus ouvidos, e minha audição ia voltando a funcionar, aos poucos.

Um grito ecoou ao longe. Mas abafado, engasgado, como se eu estivesse embaixo d'água. Reabri os olhos. As coisas tinham entrado em foco novamente, mas a luz forte feriu minha retina. Os gritos começaram a fazer mais sentido, apesar de não terem essa intenção. Eram só gritos de dor, de agonia. Tirei as mãos dos ouvidos e tentei tatear o ambiente ao meu redor. Primeiro senti o chão duro e quente. Então, minha mão tocou algo macio. Tentei verificar o que era, mas não conseguia entender. Abri os olhos novamente. Desta vez consegui enxergar, mas desejei não tê-lo conseguido. Minha mão tocava um braço. Mas não havia corpo. Só o braço. E uma poça de sangue. Os gritos tornaram-se mais fortes, meus ouvidos passando a funcionar novamente. Olhei ao redor. O teto desabara, esmagando grande parte do lugar. E grande parte das pessoas que ali estavam. Eu me salvara por pouco. Ao meu lado, três outras pessoas se moviam. Duas brigando entre si. Parecia idiotice. Acabaramos de ver o início do fim do mundo, e aqueles idiotas estavam brigando? A terceira pessoa chorava, sentada ao chão, as mãos no rosto. Não, era apenas uma mão. A outra...

- Fuja! Logo! - Um dos homens que brigava gritou, enquanto seu oponente tentava agarrá-lo. A garota, no chão, esvaia-se lentamente, o sangue correndo fraquinho do ferimento que estava onde antes estivera seu braço. O choque me paralisou. Tentei entender o que acontecia, mas nada fazia sentido. E então, o grito. Um dos homens mordera o outro. Eu não conseguia entender, mas parecia um sujeito grandão, forte, e... vermelho...
-AAAAAAAAAAh! - Gritou o outro, enquanto o sangue jorrava de sua jugular, agora exposta, um grande pedaço de seu pescoço faltando. O outro, o grandão não esperou muito. Ergueu a mão e desceu-a com força contra o rosto do oponente. O barulho dos ossos de sua coluna se chocando e quebrando foi nauseante. O homem caiu estatelado no chão. Sem dúvidas, morto. E então eu entendi. Só restava eu. E o cara vermelho.

Ele virou-se para a garota e então pulou. Um pulo desumano. Sem explicação. E quando aterrisou, já enterrava as presas (sim, ele tinha presas), no peito da garota. Ela arfou, já sem forças para gritar, enquanto um pedaço de sua carne era arrancada. Eu não entendia. O que era aquilo? Um pesadelo? O Inferno?

Quando o monstro mordeu sua vítima de novo, desta vez expondo os ossos da costela, um entendimento repentino tomou conta de mim. Não algo nobre, ou bonito, ou digno. Apenas instinto: Eu era o próximo. E ele estava com fome.

Me ergui lentamente, rezando para o Deus no qual eu nunca acreditei, para que meu corpo estivesse em um bom estado. Seria necessário tudo o que eu pudesse fazer para sobreviver. Dei um passo para o lado, saltando o braço da garota, fitando o banquete do monstro com nojo, enquanto procurava algo com o que me defender. Mas não havia nada. Nenhuma arma, nenhuma faca. Nada. Só os escombros do teto que sucumbira à explosão.
Ouvi o ruído de um pedaço de carne sendo desprendido do corpo. Virei-me para o chão e procurei por qualquer coisa que pudesse usar. Achei um pedaço de viga de ferro. Parecia resistente. Tentei erguê-lo, mas falhei na primeira tentativa. Era mais pesado do que eu supunha. Tentei puxá-lo de novo. E escorreguei. Caí entre os escombros, causando grande comoção. E era isso. No mesmo instante eu soube. Havia atraído a atenção para mim. Me virei no chão, e então eu vi, pela primeira vez na vida, um demônio. A pele vermelha. O corpo coberto de músculos e feridas. Os olhos insanos, pequenos, negros. As presas anormalmente grandes, manchadas de sangue. Ele ainda segurava um osso na mão. Uma costela, talvez. Ele arreganhou os dentes, num sorriso macabro. Me encarou. Eu não tinha o que fazer. Ele pulou.

E, por sorte, era um monstro excepcionalmente burro. Eu já sabia que estava morto. Mas estava enganado. O que senti, foi o sangue quente jorrando em mim. Abri os olhos e me vi face a face com o demônio. Ele estava a poucos centímetros de mim. Mas não se movia. A boca aberta, ainda naquele sorriso maligno. Os dentes a mostra. Em seu peito, a viga de metal, atravessando-o, brotando em suas costas. O monstro não relutou muito, apenas parou. Morto.
E eu, sem acreditar, vivo.

Permaneci onde estava por algum tempo, o sangue espesso daquele monstro ainda gotejando em mim. Eu quis acordar. Sabia que era um pesadelo. Mas...

Eu estava enganado...

Um comentário:

  1. =O /sempalavras
    *-*' Agora vou te atormentar pela eternidade pela continuação...
    xD

    ResponderExcluir

É sério?