Primeiro por causa do despertador. Que não desperta. Um despertador em greve. Talvez seja isso. Uma greve. Talvez ele queira mais recargas diárias. Talvez queira uma música com a qual despertar de maior qualidade. Talvez... bom, talvez seja um simples despertador preguiçoso.
Indiferente. Ele não fez seu trabalho.
E então, o jovem azarado teve de acordar assustado, vestir-se com uma pressa insana, afim de, com sorte, alcançar o seu ônibus a tempo de nele embarcar.
O jovem azarado teve uma manhã de sorte. Seu cabelo não lhe respeitou, nem mesmo sob o julgo pesado do pente. Mas isso é comum. Desde que o jovem azarado se conhece por gente, seu cabelo teve sua própria vontade. O pobre infeliz lembra-se dos seus tempos puerís, quando se pai apontava para o emaranhado de fiapos negros que se dispunha em sua cabeça e lhe dizia "que belo ninho de ratos, jovem azarado".
E hoje não foi diferente. Cada mecha apontando para um lado, a coisa toda sem sincronia nenhuma. "Não temos padrão", disseram os cabelos revoltos. "Não tenho tempo para arrumá-los", replicou o jovem azarado. E assim ficou. Os cabelos insurgentes, espalhando-se ao sabor do vento, da forma que mais queriam. E o jovem submisso, sem nem pestanejar... "É normal", dizia a si mesmo, tentando se animar...
As passagens pro seu ônibus já haviam acabado, mas isso, também, não era nada bizarro. Não uma nem duas foram as vezes em que o jovem infeliz tinha de esperar o próximo ônibus, sentado num banco qualquer, pensando na vida e no tempo que perdera. "Podia ter dormido mais meia hora..." Mas dessa vez ele resolveu arriscar. Foi até o seu ônibus habitual, já disposto a apenas vê-lo partir, porém o que viu foi que havia lugar. E ele pensou "e aí, será que tento?". A sorte nunca lhe sorrira, mas será que não seria esse o dia? Chegou-se ao motorista e perguntou, "ahn... eu tenho uma passagem pra daqui meia hora... se sobrar lugar, posso embarcar nesse ônibus aqui?" E o motorista o encarou. Mascou o palito que trazia na boca, o que, o jovem azarado pensou, era bem estranho. Quem diabos masca um palito às sete horas da manhã? Mas bem, lá estava um mascador de palitos matinais. E o mascador tinha boas notícias. "Tem lugar sim", ele disse. "Pode embarcar."
E lá se foi o jovem azarado, faceiro como ele só, com sua manhã de sorte exacerbada.
E então, para demonstrar o quão animado estava, ele dormiu. E dormir em ônibus é sempre uma experiência diferenciada. Primeiro por causa do enjoo. E também, por causa das marcas.
As marcas, pra quem não sabe, são aqueles riscos vermelhos que frisam a sua pele quando você dorme sobre alguma superfícia ondulada. Pois bem, o jovem azarado tem um sangue maroto, que não é muito dado a correr.
Se por um instante qualquer alguma coisa pressiona uma veia, o sangue já para. Não quer mais correr, só quer descansar. E então, surge a marca. E elas surgem das formas bizarras. Teias de aranha nos braços, circulos nas bochechas, hieróglifos no pescoço. E lá está o jovem infeliz, repleto de tatuagens naturais. E é assim que ele tem de ir trabalhar.
Mas antes de acordar, antes de poder saltar do ônibus parecendo um mapa-mundi psicoldélico, ele teve o Sonho. Não um sonho. O Sonho. Aquele que ele tem quase todos os dias, desde recentemente. É sempre o mesmo sonho. Os mesmos personagens, os mesmos acontecimentos. E o mesmo desfecho. O sorriso. Um aceno. Ele chega mais parte. E então, a rodoviária.
O ônibus parou fazendo barulho, e o jovem azarado acordou. "Parece que nem na minha manhã de sorte o sonho vai adiante. Deve exigir muita sorte". Talvez. Ou talvez, o Sonho simplesmente não possa mostrar aquilo que o jovem infeliz desconhece... Talvez...
E o jovem azarado chegou ao trabalho. Atrasado. Mesmo sem engarrafamento e mesmo sem tropeçar, parece que é impossível para o pobre infeliz chegar no horário. Mas ele chegou. A camisa preta, com a estampa do seu jogo favorito logo atraí alguns olhares. Mas é sempre assim. "Não se atende em uma agência bancária com esse tipo de roupa". Ele sabe. Mas é assim que ele é. Paciência, não há outra roupa pra usar. O cabelo encrespado também destoa do cenário geral. Afinal, em meio a tanto gel e penteados intocados, aquela massaroca abissal não poderia passar despercebida. Mesmo que inconsciente, a mão voa até as mechas mais revoltas, tentando detê-las, convencê-las a se ajustarem e passarem a viver uma vida regrada. E de nada adianta. Elas até se contêm por um instante. Mas logo são incitadas pelas demais e pronto, já estão na farra de novo. E lá vai o jovem infeliz, a camisa negra atraindo olhares, o cabelo crespo formando opiniões. Mas isso é normal. Nada até então poderia ter deixado o jovem azarado menos animado. Principalmente sabendo-se que haveria o café.
É claro, ele havia esquecido: naquela manhã, haveria um café da manhã especial na agência. Para uma reunião cujo tema era uma surpresa. E, o jovem azarado sorriu. "Indiferente de qual seja a surpresa, pelo menos estarei de barriga cheia."
Mal sabia ele o que o destino lhe reservava...
Prometo que vou por minha mente pra trabalhar pra fazer um comentário descente!
ResponderExcluiru.ú/
Despertadores só trabaham quando querem, ou seja, quando já estamos acordados antes da hora de acordar... Eles nunca obedecem, mas pelo menos conseguiu pegar o bus \õ\
E... Ser diferente da "vida regrada" é legal, pelo menos pra mim... :~
Mas o que era a "grande surpresa"?
:*